REURBANIZAÇÃO
DA RUA DO CATETE - RIO DE JANEIRO Hoje,
as megacidades podem ser pensadas como a superposição e
justaposição de várias lógicas (representadas
em camadas ou blocos específicos) evidenciando a existência
de varias cidades numa só. Elas podem ser interpretadas também
como um sistema global de produção e circulação
de informações e velocidades diferenciadas,onde se imbricam
os tempos passado, presente e futuro. O ambiente urbano é formado por elementos estruturais e elementos complementares. Os primeiros definem o caráter e a substância do espaço enquanto os segundos, superpostos às edificações e aos ambientes, funcionam como forma de harmonização, afinação e amenização com as circustâncias do momento. Esta distinção entre estrutura e ornamento implica também uma diferença de tempos, na medida que a estrutura é da ordem do longo prazo, da realidade duradoura, enquanto o mobiliário urbano, a sinalização e a programação visual são da ordem do curto prazo, de uma realidade que se transforma em anos, dias, ou mesmo horas. O processo de elaboração do Desenho Urbano exige trabalhar considerando a interação de todos estes fatores. Ao mesmo tempo, hoje a fragmentação da cidade é um fato, mas existe uma fragmentação negativa que é a exclusão e uma fragmentação positiva que permite a multiplicidade de identidades. É esta última que se buscou trabalhar no Catete. O conteúdo mais importante do projeto urbano é a posibilidade que abre de reinventar o espaço coletivo,criando novas centralidades e reforçando ou redirecionando as existentes. Isto inclui a incorporação de novos atratores ou ativadores programáticos e espaciais, destinados ao lazer, educação, equipamentos sociais e comércio, articulados com o mobiliário urbano e a vegetação paisagisticamente concebidos. A intervenção na rua do Catete consistiu na reformulação do eixo viário-comercial-histórico que conecta o centro da cidade com os bairros da zona sul (Flamengo, Botafogo, Copacabana).
Através do projeto foram introduzidas transformações urbanísticas (modificação do traçado e níveis de ruas e calçadas, criação de praças, renovação de espaços residuais, modificação do tratamento das calçadas, etc), transformações infraestruturais (importantes obras de drenagem, nova iluminação e sinalização, fiações aéreas embutidas na calçada, etc) e transformações paisagísticas (reflorestamento, criação de novas fontes e jardins, novos focos de interesse visual, etc). Também foi incorporado novo mobiliário urbano e sinalização especial das áreas de interesse histórico, incluindo painéis com textos de caráter cívico e poético. O projeto buscou tecer as três funções principais do espaço público, isto é, a conexão estético-simbólica com o contexto, o enraizamento no lugar e a inovação programática, dentro de um conceito de unidade espacial guiado pelo tema da simbiose da história e do futuro, através de uma relação de colaboração entre dois tipos de elementos: a memória espiritual do espaço histórico e a geometria abstrata do modernismo. Para isto partiu-se de uma enfatização dos tempos. O tempo histórico registrado nos monumentos e na continuidade edilícia do setor antigo recebeu tratamento de materiais, equipamentos e iluminação diferenciados do resto. O elemento articulador que estabelece a continuidade e os nexos é a faixa para equipamentos paralela ao meio fio e os postes de iluminaão de rua, que percorrem a área em toda sua extensão. O tempo atual ficou registrado na sequência de celebrações da singularidade do bairro, do espírito do lugar.
Começando pela reformulação da Praça José de Alencar tratada agora como Porta de entrada ao bairro e recolocando o busto do escritor no centro de uma rótula semelhante a que existía no lugar no início do século, época da configuração urbana deste setor da cidade. Até a época do projeto, todo este local era uma perigosa encruzilhada para os pedestres, que se movimentavam incessantemente ao redor e através das numerosas ilhas que o constituíam. A reformulação viária proposta pelo projeto buscou impor limites à circulação de automóveis e favorecer o movimento dos pedestres. Foram modificados traçados de ruas e rótulas diferenciando o tratamento dos pisos, trabalhando com grandes superfícies de paralelepípedo paisagísticamente compostos e foi trocado o tipo de iluminação e a sinalização do lugar. Foi incorporada uma nascente como referência ao rio Carioca que passa embaixo. A reformulação do Largo do Machado, antigo lugar de encontro dos cidadãos na época em que o Rio era a capital do país, incorpora um lugar para manifestações de caráter artístico-cultural ao ar livre. A intervenção nesta praça inclui também a restauração do projeto paisagístico de Burle Marx, a previsão de estacionamento subterrâneo e a elevação do nível de uma das ruas laterais, incorporando-a ao domínio dos pedestres. O espaço da Vila Elite foi totalmente transformado; este pequeno local resultante da construção do metrô, de proporções muito agradáveis mas muito fraturado, foi recomposto a partir da articulação de duas escalas: a semipública constituída pelo uso como lugar de encontro para os moradores da Vila a que serve como acesso, e a pública definida pela sua abertura à rua do Catete em relação com a qual funciona como pequena praça. Estes dois espaços foram articulados em torno da grande boca de ventilação do metrô transformada agora em estranho atrator e centro da composição. A escala cromática, os materiais e a iluminação criam diferentes ambiências.
No setor histórico, onde se localiza o maior conjunto de edificações do século XIX, o tratamento consistiu na incorporação de pisos de granito nas calçadas, semelhante ao já existente em frente ao Palácio do Catete e em alguns trechos das ruas transversais. Em frente ao Palácio foi criada uma praça, pensada como cenário ao ar livre para manifestações artístico-culturais de extensão das atividades do centro cultural do Museu da República, que funciona no mesmo local. A praça São Salvador foi totalmente reprojetada, recuperando o lugar para uso dos vizinhos que a frequentam diariamente tanto durante o dia quanto à noite. Esta praça de vizinhança constituí um core, isto é, um local com características de centralidade para uma área bem delimitada a qual serve como ambiente de convivência. O objetivo foi requalificar um espaço de usos consolidados, mas muito degradado, conferindo-lhe identidade e unidade, compondo com um mínimo de elementos. Buscou-se enriquecer o espaço incorporando elementos de escala humana, mobiliário adequado, vegetação florida e iluminação, de acordo com o caráter do lugar, proporcionando animação para as atividades dos vizinhos de acordo com três faixas etárias diferenciadamente: crianças, jovens e adultos. Mas o fato do bairro do Catete estar semeado de referências históricas, não implicou necessariamente a busca de reconstituir o passado, não tratou-se de retirar da memória coletiva uma referência tradicional tranquilizadora, senão de criar condições para que as pessoas possam sentir que estão em um lugar. Uma referência ao fato de que vivemos em um meio de inter-relações onde temos amigos e onde dão-se determinados acontecimentos. Trata-se pois, de uma memória apontando para o futuro, para a práxis e não para o passado.
Jorge Mario Jáuregui |