Houston - A Paisagem Periférica Sem Fim

“O efêmero permanente”

(e a demanda por uma nova formulação urbanístico-paisagística)

Croquis de leitura de Houston
Croquis de leitura de Houston

A metropolização tem forçado a toma de consciência relativa à transformação da paisagem e à mobilidade crescente nas grandes cidades, onde as infra-estruturas (da mobilidade) contribuem para acentuar o contínuo sprawl; o “espaço urbanizado” invade o território penetrando-o, tanto quanto o território se mistura à cidade.

Este processo obriga a considerar simultaneamente todas as escalas do território. Com a dinâmica do movimento, a composição urbana, arquitetônica e paisagística participa de outra percepção dos problemas de desarticulação sócio-espacial da metropólis contemporânea.

A mobilidade, a concentração, a dispersão e a dimensão, são parte da significação das grandes cidades, das grandes “manchas” urbanas. Isto afeta os comportamentos do ponto de vista sociológico, sob o qual se estabelecem as relações e modos de vida próprios dos grandes aglomerados urbanos.

O extenso “milieu” urbano, e o anonimato, oferece aos indivíduos liberdade de movimentos mas dificulta os contatos diretos. Viver nas grandes cidades obriga a multiplicar os círculos restritos onde se é reconhecido na sua singularidade, o que determina uma sociabilidade baseada num regime de intercâmbios complexos entre fechamento e abertura, entre interior e exterior,  e entre o natural e o artificial, o que exige uma dialética espacial capaz de oferecer equilíbrios entre o individual e o  coletivo. O que por sua vez demanda um pensamento de “conciliação dos opostos”; uma “terapêutica política”, como a denominava Jacques Derrida, e uma grande “terapêutica ambiental”.

A rapidez das transformações nos modos de deslocamento modifica a relação com o tempo e com o espaço, impondo novas cadências urbanas onde as sequências natural-artificial se imbricam.

A metrópole produz um tempo impessoal e um estilo de vida de alta ritmicidade simbolizado pelo cidadão que circula o tempo todo, absorvendo enormes distâncias, se deslocando entre o construído e restos de “natureza”. Do qual se deriva a necessidade de pensar uma nova utilização do território não predatória, capaz de se adequar às novas práticas do espaço.

Houston é o exemplo de uma metrópole contemporânea descontínua, heterogênea, multipolarizada, diferenciada, individualizada e multidirecional, de baixa qualidade paisagística.

Vista a partir da Houston University “Free” ways em Houston

Isto determina uma natureza especial do espaço. Houston implica o desafio de imaginar formas urbanas compatíveis com a liberdade do indivíduo, o que demanda mudanças de approach na concepção da “composição" da paisagem.

O desafio consiste em nos obrigar a pensar uma rede urbana se desenvolvendo (desdobrando) sobre um território e no sentido de uma “cidade nômade”, onde diferentes modos de mobilidade se multiplicam e se diversificam, e onde as superposições no território demandam identificar interferências e combinações na direção da constituição de novas amálgamas cidade-paisagem.

Superposição e multiplicação tornam a metrópole contemporânea cada vez mais complexa e difícil de apreender, e de “ler”.

Noções tais como paisagens híbridas, multipolaridade e intermodalidade são úteis na busca por coerência no meio das inevitáveis interferências, combinações e descontinuidades.

As infra-estruturas de escala territorial geram espaços de fluidez, deslocados e instáveis, que demandam novos princípios de organização e novos tipos de espaços públicos e de equilíbrios entre trânsito (fluxos) e residência (fixos), ao mesmo tempo que novos vínculos com a paisagem, agora definitivamente oscilante entre o natural e o artificial.

 
Houston University Building - Faculty of Architecture
Este edifício bizarro é como a favela, quando você está dentro parece tudo normal, mas para os que olham de fora, não é nada "normal"
  Vista de Houston

Hoje é necessário conjugar diferentes escalas espaço-temporais em articulações arquitetônico-paisagístico-urbanísticas consistentes. A obtenção de um território economicamente dinâmico e a resposta às necessidades do cidadão, estão intimamente relacionadas à elaboração de projetos de escala urbana como resposta ao direito à mobilidadee e à natureza, o que implica conceber e dispor os meios efetivos, práticos e culturais, de se deslocar e de “aceder à natureza”, garantindo ao mesmo tempo o direito à urbanidade e ao espaço público de qualidade.

Tornar a cidade acessível implica responder às condições de interação e conectividade, conectando diferenças. Tomar posição em relação à estruturação urbana implica articular o urbano com o objeto arquitetônico e com a paisagem.

Flexibilidade e leveza são exigências de uma forma de mobilidade que não deve mais impor uma divisão do espaço urbano; um transporte urbano eficaz e ecológico deve ser capaz de atravessar o espaço público sem o desfigurar, oferecendo coerência na diversidade.

Como as infra-estruturas da mobilidade transformam as relações entre a cidade, a urbanidade, o espaço público e a paisagem?

Através da re-elaboração da relação entre habitat (lugar de vida, com o total das características ecológicas do lugar habitado por uma população) e habitação (ocupação como residência; “residência do ser”) e entre o habitado e o atravessado, está colocado a desafio de pensar, e contribuir para materializar, novas formas de relação com o território.

Bairros populares em Houston

Houston, com o seu enorme território plano, baixo e inundável, e climatologicamente extremo (40º no Verão e -12º no Inverno) representa nesse sentido um enorme desafio na busca de conferir sentido de lugar, a este imenso não-lugar. Com suas freeways intermináveis e permanentemente em expansão, e com a sua grande concentração de serviços e capitais (processamento e fluxo de materiais petroquímicos) e o seu enorme sprawl, evidencia a falta de controle e de restrições ao uso dominantemente especulativo do solo urbano.

Este modo de ocupação do território coloca questões absolutamente atuais sobre o papel de cada um dos atores da cidade, e exige um questionamento profundo das nossas representações e das nossas praticas urbanas habituais. Ele interpela ao mesmo tempo aos habitantes, no sentido de imaginar novos comportamentos mais coesivos; aos profissionais relacionados à questão sócio-espacial, demandando uma evolução das modalidades da intervenção, e aos tomadores de decisões de transcendência pública, obrigando-os a novos posicionamentos quanto à orientação e arbitragem nas parcerias de projetos de uma complexidade inédita, abrangendo múltiplas escalas onde se interceptam o físico (infra-estrutural, urbanístico, ambiental), o social (econômico, cultural, existencial), o ecológico (ecologia mental, social, e do meio ambiente), as questões da segurança do cidadão e as problemáticas do sujeito contemporâneo .

Para corrigir os efeitos de um processo de metropolização devastador de territórios tais como a simultânea explosão e fragmentação do espaço urbano, o aumento dos deslocamentos e das distancias a serem percorridos diariamente com o custo energético e ecológico que isto implica, o urbanismo comercial anárquico e majoritariamente indiferente à qualidade arquitetônica, a segregação espacial e social, e a estandardização das ofertas urbanas, é necessário re-orientar o nosso devir urbano mediante a formulação de alternativas para uma nova cultura urbana onde a vitalidade econômica, social e cultural conflua na direção de novas articulações entre a cidade, a urbanidade, o espaço publico e a paisagem, a escala territorial.

Esta reformulação da questão urbana contemporânea demanda uma nova conceptualização da relação entre a idéia de Ágora (esfera pública) e a idéia de Oikos (esfera domestica), e sua transposição ao território. Estas duas esferas, a partir do processo de metropolização, deverão ser organizadas territorialmente como agregados sócio-espciais coesivos, de alta qualidade urbanística, paisagística e arquitetônica, interconectadas por transporte público não poluente, abrangendo varias velocidades e respondendo aos diferentes ritmos urbanos.

É fundamental fazer avançar a compreensão do fato urbano contemporâneo e as ações necessárias à sua transformação direcionada, buscando a confluência do conceito e da cidade, dando efetividade (imagem e espacialização) ao pensamente do plural, articulando diferenças mediante projetos concretos de alta qualidade urbanística, arquitetônica e ambiental.

O projeto urbano deve ter seus fundamentos teóricos interceptados com a realidade da cidade; é necessário trabalhar com abordagens com pontos de vista multidisciplinares, mas sem simplificar as questões, criando pontes analíticas e empíricas.

Os problemas sócio-espaciais demandam a transdisciplinariedade de abordagens e por isso é necessário abrir colaborações em torno de realidades complexas, maximizando o reconhecimento da multiescalaridade da cidade, não só na perspectiva de mitigar e reparar.

A cidade tem uma capacidade que deve ser detectada e promovida. Existe um mundo de possibilidades que o projeto deve ativar. As cidades constituem em si mesmas novas naturezas onde o que interessa são as rearticulações dos diferentes componentes, capazes de revelar potenciais e possibilitar outras realidades, tornando vissiveis novos mundos possíveis, novos devires.

É necessário conceber conjuntos inteligíveis nos quais se possa atuar e dar lugar à emergência das demandas coletivas, acolhendo reivindicações sociais latentes e dispersas.

Houston precisa:

- Um sistema de mobilidade não tão dependente do automóvel;

- Valorização dos eco-sistemas (ecologias múltiplas);

- Um conceito de "urbanização de transição" entre torres e casas, criando novas centralidades e rearticulando as existentes buscando compactar e densificar a cidade;

- Um tratamento adequado da questão da água;

- Criar circuitos de pedestres no centro, abrindo novos acessos para as passagens subterrâneas existentes;

- Articular cidade, urbanidade, arquitetura e espaço público com o conceito de eco-eficiência.

Que tipo de "desejo de cidade" Houston pode causar?, pensando em termos de Ítalo Calvino?

Jorge Mario Jáuregui