Favelas
Contribuição para o debate sobre as favelas do Rio

 

 
 

Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2005

Venho acompanhando com interesse a polêmica desencadeada sobre as favelas do Rio, desde a publicação da foto do edifico na Rocinha, no dia 28 de setembro de 2006 num jornal do Rio de Janeiro.


É interessante constatar que a maioria das opiniões emitidas desde então, pouco tem esclarecido à população sobre a necessidade de considerar conjuntamente as questões físicas (infraestruturais, urbanísticas e ambientais), sociais (econômicas, culturais e existenciais) ecológicas (que como se sabe, compreendem a ecologia mental, a ecologia social e as questões relativas à sustentabilidade das intervenções) e as relativas à segurança do cidadão interceptadas com as problemáticas do sujeito, como parte de políticas públicas, responsáveis e fundamentadas, capazes de combater (com resultados) o apartheid social, a chamada cidade partida entre morro e asfalto, entre legal e ilegal e entre excluídos e incluídos dos benefícios da urbanidade. Elas vão desde opiniões sem fundamento que falam de "ética" (entendendo a democracia como algo adaptável aos interesses das classes medias e altas, sugerindo enviar os pobres a morar longe da urbanidade), até comentários inocentes ou desavisados e que não tem nada a ver com a complexa urdidura de fatores que determinam a existência das favelas como sintoma de uma sociedade.

Estranhamente, aparecem de repente no meio da discussão, “árbitros” julgadores emitindo opiniões sobre o que para eles seria o “erro” do programa de urbanização de comunidades carentes, denominado Favela-Bairro, e hoje, segundo eles, culpado da continuação da favelização da cidade.

Dizem que a prefeitura deveria ter se precavido para evitar a expansão das favelas. E nos últimos 30 anos, o que “constataram”? Como a população do Rio já sabe, desde a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro (1975) é notória a falta de comunicação e interação entre os Governos Federal, Estadual e Municipal. O que, junto com o desconhecimento do direito dos setores populares à cidade, à urbanidade e ao espaço público (não só a uma “casinha” no desparramo das periferias) demanda um reordenamento negociado das políticas públicas para o setor, capaz de articular a cidade partida nas suas diferenças sociais.


Mas não é a favelização do Rio o que “espanta” o turismo (como o favela–tour por exemplo demonstra) senão a violência (tanto do Estado quanto dos traficantes) que vemos aumentar dia a dia e contra a qual as ações das varias instancias do poder público vem demonstrando a sua ineficácia, já que menos do 10% da população das favelas se vê involucrada ao longo da sua vida em atividades ilícitas (seja na forma que for), enquanto o 90% constituem a força de trabalho que dia após dia leva os nossos filhos na escola, prepara as nossas refeições, reparam as coisas quebradas que nós nem vemos, e fazem a cidade funcionar, nos dando esse lugar especial no mundo que é o carnaval.

Após muitos anos de escuta das demandas da população das favelas do Rio, e tendo trabalhado em todas as escalas das mesmas "pequena, média, grande e territorial" podemos constatar que a maioria dos moradores das favelas tem chegado a elas por falta de programas que atendam, não só às suas necessidades, senão também às suas possibilidades.

É leviandade afirmar que as favelas têm crescido “enormemente” após a urbanização das mesmas.
E caso a resposta fosse afirmativa, não é lógico as famílias brasileiras que se vem obrigadas a escolher a alternativa da favela buscarem as comunidades que lhes oferecem melhores condições de vida?

Nas primeiras comunidades urbanizadas, a própria Prefeitura exigia a elaboração de uma “leizinha”, que era a tradução do código geral de obras da cidade, ao caso da cada favela. No entanto, a falta de planejamento de recursos suficientes pós-obras, determinou que estas normas deixassem de ser aplicadas, assim como os POUSO´s (Posto de Orientação Urbanística e Social) que eram implantados nas comunidades após a finalização das obras, vieram sendo desativados na sua maioria.

Mais não é só o caso das favelas que carece de controle e manutenção. Por toda a cidade podemos ver a “cultura da informalidade” se alastrar como um câncer, onde escolas, hospitais, praças e até bairros inteiros vão ficando fora da atenção e do controle do poder público, demandando depois enormes esforços (econômicos, políticos e sociais) para reparar o que não foi feito no seu devido momento. É assim como condomínios “fechados”, bairros "exclusivos", prédios e praças gradeados, lugares públicos transformados em estacionamentos, etc, vão destruindo a urbanidade e a conectividade do tecido físico e social, sob o argumento da “segurança”, que na verdade só aumenta a in-segurança. Aqui há uma responsabilidade não só do poder público, mas também do cidadão comum quanto a se interessar pelo “bem comum” (o que diz respeito a todos nós) que é como deveríamos ler os espaços de uso público, edificações, praças, parques, ruas, etc.

Obviamente, o Favela-Bairro deve ser complementado com uma Política Nacional de Habitação Social consistente, não oportunista, e dotada dos recursos adequados para sua implementação, sem o qual não passa de mera intenção. Pois se sabe que as famílias que moram nas favelas são de baixa renda mas podem pagar os custos da construção da sua moradia, como podemos constatar dia a dia no crescimento das áreas informais.

Por isso, não devemos retroceder à discussão dos anos´70, propondo “remover” ou "cercar" favelas e construir “casinhas”, longe da urbanidade, como é o caso de Cidade de Deus, onde os próprios moradores se autodenominam hoje de "re-favelados" por terem sido forçados a abandonarem a proximidade da urbanidade (com todas as suas vantagens) para ir morar numa “Cidade de Deus” (irionia do nome) no meio do nada, que, paradoxalmente hoje se vê novamente ameaçada de ser removida, pois a “cidade formal” se estendeu até os seus pés.

Como podemos perceber, a questão da contenção da expansão das favelas, e mesmo a sua contínua reprodução, depende da articulação ou não, de um conjunto de medidas simultâneas que envolvem aspectos econômicos, jurídicos, culturais, políticos e urbanístico-ambientais, sem o qual qualquer intervenção corre o risco de estar muito a quem do necessário.

Dez Medidas para estruturar o território das favelas no sentido da sua articulação com a cidade, produtividade e orientação do desenlvolvimento.

1_ Criar programas que permitam o acesso à moradia para os setores de baixa renda, seja através de sistemas cooperativos (como em outros países da América Latina onde é possível poupar até 20% do valor do imóvel e onde os futuros proprietários se sentem participantes e comprometidos com o projeto não só da sua residência senão também com o seu entorno sócio-ambiental) ou através de programas que financiem os custos em prazos e quantias que a população de baixa renda, realmente, possa vir a pagar.

2_ Convocar o Poder Público, os grupos econômicos, as comunidades, profissionais que atuam nelas , ONG´s e buscar acordos e parcerias para implementação – viabilização das propostas, realizando discussões públicas nas escolas das comunidades e do entorno, e em instituições de ensino em todo os níveis, promovendo a conexão com Redes de Tecnologia Social, visando o Desenvolvimento Local. Promover a comunicação e difusão das ações.

3_ Simplificar a legislação edilícia existente através de uma Legislação de caráter Popular, flexibilizando os parâmetros que regem para a cidade formal, a partir da declaração das favelas Áreas de Especial Interesse Urbanístico, Social e Ambiental, e dota-las de infra-estrutura, acessibilidade, serviços, equipamentos e condições de urbanidade, adequando as disposições às características de cada local. Resolver com agilidade a questão da regularização da situação fundiária, para o qual é fundamental simplificar os mecanismos, hoje um procedimento tremendamente complexo e prolongado que frustra espectativas tanto dos destinatários quanto dos próprios representantes do poder público.

4_ Promover o engajamento dos poderes Federal, Estadual e Municipal (que hoje evidenciam “desinteligências” entre eles) e elaborar projetos que incluam a questão da legislação fundiária e a segurança do cidadão como pontos fundamentais, além dos aspectos infra-estruturais, paisagísticos, urbanísticos, arquitetônicos, meio-ambientais, cultural-educacionais, e de geração de trabalho e renda. Para isto, o poder público, nas suas diversas instâncias, devem se articular com a sociedade civil organizada e com os representantes eleitos dos moradores dos espaços populares para elaborar soluções capazes de conjugar o interesse geral da cidade, com a solução a cada caso específico. Dar o exemplo de coordenação de atuação efetiva do poder público, definindo responsabilidades específicas mediante acordos entre as Secretaria Municipal de Habitat, Secretaria Municipal de Urbanismo, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Superintendência Regional do Iphan, Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Comando Geral da PM.

5_ Elaborar diretrizes para construção orientada, indicando verificação de riscos, uso de equipamentos, previsão de ampliação, localização de aberturas, etc. O Município do Rio de Janeiro tem no seu Código de Obras um acervo de Leis e Decretos abordando as soluções para o problema da degradação das encostas nos maciços e morros existentes em seu território, mas que não está disponibilizado nas comunidades.

6_Estabelecer limitações construtivas determinando usos, gabaritos, projetos de alinhamento e responsável estrutural no caso das construções mais complexas. Estabelecer índices de aproveitamento da área (IAA) nas favelas maiores e mais densas. Estabelecer marcos físicos eficazes e adequados a cada contexto, e eco-limites capazes de serem monitorados por satélite, como forma complementaria de evitar a expansão das ocupações, usando as experiências existentes a respeito e aprendendo sobre tudo, do que não deu certo. E, tanto quanto possível, através das intervenções reduzir as áreas ocupadas a partir da leitura cuidadosa da estrutura de cada lugar.

7_Construir novas residências com qualidade arquitetônica e urbanística capaz de indicar uma nova atitude do poder público nos aspectos urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos, para substituir as que estão em condições muito precárias e para re-localizar as famílias estabelecidas em áreas de risco, faixas marginais de proteção de rios e lagoas, e os que estão fora dos eco-limites e sobre os valões de drenagem. Garantir a assistência técnica aos movimentos sociais dos cidadãos.

8_Estabelecer programas de financiamento especial para a melhoria das residências e para as edificações de interesse social existentes nas comunidades. Tornar a Caixa Econômica Federal um banco social com uma política habitacional decididamente de cunho social, que evite a migração das pessoas para as favelas, promovendo condições de vida de qualidade nos lugares de residência.

9_Criar dispositivos para garantir a continuidade das ações, mesmo com mudanças de orientação política dos sucessivos governos.

10_Criar meios de punição mostrando qual é o caminho correto, e fazer valer a legislação que for estabelecida, mas dando condições e meios para cumprir a lei.

Jorge Mario Jáuregui

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