Miscelâneas
Favelas - Desafio e Oportunidade

Desde os programas Favela Bairro, PAC, MCMV até o atual Morar Carioca, uma grande experiência foi constituída capaz hoje de ser utilizada em diferentes contextos.

Planos de estruturação socioespacial, coordenados pelo poder público, com participação dos destinatários dos projetos e com consistência na articulação dos aspectos urbanísticos, arquitetônicos, ambientais e infraestruturais, são o caminho para redirecionar o nosso devir urbano.

As favelas em cada país e em cada cidade apresentam particularidades e escalas que determinam a necessidade de uma abordagem específica, baseada na leitura de estrutura do lugar, na "escuta" das demandas, na interseção multidisciplinar, no reforço das centralidades existentes e na criação de outras novas.

O grande desafio global que implica articular a cidade e a sociedade divididas, demanda pensar simultaneamente a lógica urbana mediante a distribuição equitativa dos investimentos em equipamentos sociais de porte e qualidade, com a resposta às maiores urgências. O que obriga a realizar o trabalho social e o projeto físico, de maneira indissolúvel.

No Rio o desafio consiste em elaborar estratégias de desenvolvimento urbano includente, no marco da execução das grandes obras, para que se possam ter efeitos positivos tanto do ponto de vista das necessidades sociais, quanto das necessidades de recuperação ambiental.

Para isso é necessário partir da análise do processo de configuração histórico de cada assentamento, do seu grau de consolidação, das características culturais, das especificidades da mão de obra existente no local, da localização no conjunto da cidade, das suas relações com o contexto, e das densidades existentes. Feita esta "radiografia" do lugar (esquema de leitura de estrutura do lugar), realizada a "escuta" das demandas (não para serem respondidas mas para serem interpretadas) e identificadas as centralidades existentes, será possível reforçar seus potenciais introduzindo novos centros (Ágoras do século XXI ), articulando o local com a lógica socio-espacial da cidade.

Problemas típicos das grandes metrópoles são a ineficiência de investimentos em transporte público de qualidade. o transito caótico, a violência, a favelização, as infraestruturas deficientes, a desconexão entre as partes e os desequilibrios ambientais.

Hoje são necessários projetos urbanísticos de qualidade, includentes, elaborados em diálogo com a comunidade, revisando ou implantando novos sistemas infraestrutrais, melhorando a acessibilidade e a conectividade entre o tecido urbano da favela e o entorno, incorporando novos equipamentos de saúde, educação, cultura, esporte e lazer, articulados com estratégias para a geração de trabalho e renda, reassentando moradores que estão em áreas de risco em novas edificações no local.

A reconfiguração socio-espacial a escala urbana exige articular aspectos físicos (infraestruturais- urbanísticos - ambientais), aspectos sociais (econômicos - culturais - existenciais), aspectos ecológicos (ecologia mental - ecologia social - ecologia existencial) e as questões de segurança do cidadão (política de segurança estreitamente associada ao conceito de espaço publico) com as problemáticas do sujeito contemporâneo (modificações nas relações de trabalho, interpessoais, e de comunicação, que tem suas consequências no espaço individual e coletivo). O magma do "socio-espacial" megalopolitano é o campo de interseção de políticas públicas, ações privadas, iniciativas comunitárias e ações de ONGs, e o lugar onde se confrontam todos os imaginários.

Os problemas a serem equacionados pelos projetos de alcance urbano envolvem desde as políticas para a geração de trabalho e renda, inclusão socio-cultural, o financiamento adequando para o acesso à moradia, e a adequação das redes infraestruturais e de transporte publico, até a segurança do cidadão e a criação de um ambiente favorável à vida e à convivência das diferenças. Envolve, também, a definição de programas bem elaborados para favorecer a mixidade social, a riqueza multifuncional e a conectividade e a compacidade da estrutura física. As características físicas das favelas incluem densidades variáveis, problemas de acessibilidade, incompletude das redes infraestruturais e viárias, e a existência de áreas de risco, demandando a utilização de metodologias de comprovada eficácia experimentadas ao longo dos anos.

As ações de segurança pública neste contexto não devem ser um complemento, um agregado aos programas de urbanização, senão parte integrante da ação pública de maneira integrada, desde a concepção inicial dos projetos. Devem ser concebidas simultaneamente pois influenciam diretamente na qualidade do espaço público resultante, e na percepção do cidadão.

Cada favela é diferente da outra em termos de dimensões, processo de formação histórica, localização, conexão - desconexão com a malha urbana formal, o que implica em realizar primeiro a leitura da estrutura do lugar, desenvolver o diálogo com os moradores ("escuta" da demanda), realizar o cruzamento das diferentes miradas de cada disciplina e, como consequência, formular o Esquema Urbano que constituirá a espinha dorsal do plano de intervenção especifico. O Plano de Intervenção deve articular a escala urbana (diagnóstico macro) com a escala local (resposta às maiores urgências) numa linha do tempo, definindo prioridades e recursos.

A partir das diretrizes estabelecidas pelo Plano, é possível buscar interlocuções entre diferentes esferas do poder público, e no entorno das áreas de atuação, visando incluir vizinhos significativos capazes de se somar ao projeto (empresas privadas, universidades, centros comerciais, estações intermodais, áreas em desuso...). Equipamentos culturais de porte tais como escolas profissionalizantes, centros de inclusão digital, cinema populares, bibliotecas publicas, devem ser pensados como atratores de convivialidade e focos para a evolução social.

Os programas de urbanização de favelas devem estar estreitamente articulados com o sistema de escolas e de capacitação técnica, para permitir que as transformações físicas se correspondam com as possibilidades de evolução socioeconômica e cultural da população. A vida nas comunidades só pode ser radicalmente transformada mediante a implementação de um processo de intervenções e correções feitas com continuidade, articuladas no curto, médio e longo prazo.

Ao setor privado, cabe investir em tecnologia e introduzir qualidade na quantidade. O setor público deve ter por função principal estimular a investigação e fazer com que emerjam projetos de qualidade urbanística, arquitetônica e ambiental, criando o suporte jurídico para atuações nas quatro escalas do urbano, mediante novas Ágoras do século XXI, integrando trabalho, esporte, cultura e lazer. Novos espaços para o encontro das inteligências (inteligência comunitária e suporte institucional público), e para a convivência das diferenças (terapéutica política).

O diagnóstico participativo (diagnóstico macro, diagnóstico local e diagnóstico consolidado) permite definir metas e programas bem equacionados, integrando demandas comunitárias e programas oficiais, capazes de serem viabilizados por sucessivos governos. Governança ampliada como política aberta a um processo de sinergia entre as necessidades e os saberes populares, visando diminuir a dicotomia entre Estado e cidadão.

Espaços concebidos como novas piazzas contemporâneas interconectadas de escala urbana, rodeados de locais para prestadores de serviços manuais, comércios, educação e cultura, configurando potentes atratores na fronteira entre o formal e o informal, conectados por transporte público de qualidade, incluindo fragmentos de natureza capazes de reequilibrar a relação massa verde - massa construída.

Ágoras de escala urbana, sombreadas, concebidas para permitir mercados de produtores e prestadores de serviço, exposições, universidade popular e espaço da mulher, formando centros de inovação e produção baseados nas características de cada conjunto social, conectados por sistema de transporte multimodal, articulando a escala metropolitana com a dos bairros e os novos centros projetados como novos poderosos atratores, centros estes com força suficiente como para resignificar os lugares e o contexto, e reconfigurar as condições da convivência visando a confluência de cidade, urbanidade e espaço público de qualidade.

Jorge Mario Jáuregui