Uma nova Estratégia de Articulação Urbanístico-Social para as favelas cariocas As intervenções urbanísticas nas favelas do Rio, expressam um novo paradigma, - ao invés de “erradicar” ou “racionalizar”, o que se quer é entender as relações sócio-culturais e identiárias no território e promover a articulação (das favelas) às chamadas áreas formais, a partir de um ordenamento/ocupação do uso do solo urbano que ofereça a todos urbanidade e espaço púbico de qualidade; em suma, o direito à cidade. É um momento que paga tributo ao histórico da luta pela moradia, buscando alcançar o desenvolvimento humano sustentável, com inclusão social pelo acesso aos serviços disponíveis em outras áreas da cidade. Uma questão inquieta arquitetos, sociólogos e outros profissionais - como garantir a sustentabilidade, superando a condição de “cidade partida” (formulada por Zuenir Ventura) e a fragmentação sócio-cultural existente nas favelas? Consideremos alguns aspectos: a) o que se viu, até aqui, não foi a ausência do poder público, mas um tipo intermitente de presença mediada pela cultura política eleitoral clientelista, onde políticos ou candidatos se beneficiam da manutenção do status quo, do vazio institucional público, para promover “bancas de tráfico de influência”; b) diante deste vazio, muitas atividades passam a ser executadas, anomicamente, por “poderes palarelos” em uma “ocupação substituta”, influindo na reprodução social local, promovendo o “atendimento” a demandas como lazer, assistência social e a “solução” de problemas imediatos, mantendo o controle sobre a circulação de pessoas no território, não exclusivamente pelo poder das armas. O “poder substituto”, por mais paradoxal que pareça, é uma força local “proativa” (e com um determinado tipo de legitimidade social). Estes são aspectos que tem que ser relacionados pelos técnicos e planejadores, quando se pretende obter sustentação local à intervenção pública. A presença - e não a “ausência” do ente público na comunidade (ao contrário do que ainda se vê hoje) é o elemento que fará toda a diferença, permitindo-se consolidar a intervenção e garantir a conservação dos equipamentos no pós-obras. A fragmentação e a baixa organicidade que a comunidade experiência reflete a falta de integração e de coordenação das ações institucionais no território (que muitas vezes promovem a duplicidade de ações). A imagem que se forma dos governos (e da própria institucionalidade pública) marca-se pela percepção de um poder público intermitente (legado histórico), dos membros de um aparelho policial baseado em uma cultura militarizada, da relação com os técnicos e planejadores de obras públicas circunstanciais, etc. É necessário gerar-se efetiva e permanente presença do poder público. Não basta convocar e conscientizar a comunidade, mas, também, atualizar e qualificar o funcionalismo nos termos da filosofia e estratégias que orientam as intervenções. O repensar dos espaços públicos deve manter a singularidade que “ganha vida” através da afetividade incorporada pelos atores com atuação local (e o ente público deve estar entre estes), elevando-se a qualidade do serviço e a ampliação das estratégias locais, a aculturação fazendo-se em torno da cidadania ativa, protagônica. O planejamento, em todas as dimensões, deve perceber as tensões decorrentes da ambiência autoritária, e integrar demandas comunitárias com inovação conceitual, elementos que constituem e devem constituir a formação de identidades afirmativas. É importante que se criem Grupos de Gestão Pública que acompanhem permanentemente as intervenções, como ouvidorias para a solução das demandas comunitárias. Enquanto “ação civilizatória”, pedagógica, o ente público deve combater estigmas e preconceitos que acompanham a geopolítica territorial, ampliar a circulação intra e inter territorial, apoiar a proatividade de mulheres e jovens, redefinir centralidades espaciais, incorporando novas e poderosas possibilidades reais e simbólicas, para que, por conseguinte, se possa contar com o amplo potencial da cooperação comunitária (hoje subaproveitado). É importante avançar-se na rearticulação das relações entre cidade, urbanidade, espaço público e paisagem, na direção da garantia da qualidade de vida para todos os cidadãos e não só para uma parte destes. Suprimir a partição e reequilibrar, ao mesmo tempo, a relação massa verde/massa construída (como propunha Lúcio Costa), descomprimindo a cidade, colocando em meta, simultaneamente, a ecologia mental (descontaminação dos conceitos utilizados para se pensar os problemas) e a ecologia existencial (redirecionamento dos comportamentos individuais e coletivos) no caminho de uma cidade e uma sociedade mais sustentável e mais democrática. Jorge Mario Jáuregui arquiteto-urbanista |