Exposição "O terreno e o (des)preparo"
1 de março a 26 de Julho de 2013

A Rambla-Conector, "penetrável" de escala urbana.

 

“ no Brasil há fios soltos num campo de possibilidades...”
Hélio Oiticica

...enfrentar cada desafio projetual como se de um experimento se tratasse e não apenas como uma forma de manter uma estrutura produtiva. A questão é, sempre, encontrar o potencial fenômeno da idéia. É sobretudo uma forma de ver e fazer parte do mundo. E a minha forma de fazê-lo é às vezes com um pé dentro e outro fora,às vezes com os dois dentro e às vezes com os dois fora. Isto tem a ver com ética, estética e política. Quer dizer, com princípios (o ético), com desafios (o estético, o desafio do novo) e com ações (as relações sempre complexas com as estruturas de poder).

O vínculo entre fazer (projetos) e pensar (costurar relações entre idéias, coisas e acontecimentos) implica sempre em uma relação tensa. Não se pensa senão às marteladas, nos dizem os filósofos, e nós “arquitetosurbanistas”, sabemos que não se projeta senão ao custo de não ceder do desejo, isto é, às vezes indo mesmo contra o que nos é solicitado.

De acordo com a psicanálise, o imperativo ético implica “fazer o que deve ser feito”, e sabemos que neste sentido a responsabilidade pelos nossos atos é de fundamental relevância. Ao mesmo tempo, a interpretação da demanda, não só manifesta, mas fundamentalmente a que se encontra em latência, encoberta, só no desenvolvimento do diálogo arquiteto-“cliente” pode ser trabalhada, para posteriormente ser sintetizada formal e espacialmente. O projeto, neste sentido, ajuda a tornar visível (espacializar e formalizar) o invisível (o desejo inconsciente) e por esta razão pode funcionar como um “causador de desejo”, elevando o nível da demanda, mostrando o que se tinha direito a desejar e não se sabia antes do diálogo com o arquiteto. O pequeno, o médio, o grande, o territorial; o público e o privado; o individual e o coletivo; são todas instâncias iniludíveis do acionar de um arquiteto no espaço urbano.

Neste momento no qual a cidade é atravessada por fluxos de capital, dominantemente especulativo, e “des-preparada” em função dos megaeventos, convém re-pensar a direção para a qual apontam os processos em curso, nos quais “as idéias não correspondem aos fatos”, como diz a música de Cazuza.

Ao mesmo tempo, esta é uma oportunidade histórica que permitiria, em tese, usar o terreno no sentido de articular cidade, urbanidade e espaço público democrático de qualidade, atendendo inclusive ao sentido do reclamo das recentes mobilizações populares, mas que parece não estar sendo aproveitada. Enquanto a área do “Porto Maravilha” está sendo deixada nas mãos da especulação imobiliária que produz projetos monofuncionais em estilo globalizado, sem nenhuma qualidade (arquitetônica, urbanística ou paisagística), em Jacarepaguá, o Parque Olímpico se apresenta como mais uma ilha a flutuar no enorme “sprawl” antiurbano da Barra da Tijuca.

Assim, o abrigo, a cidade densa e compacta conectada por transporte público eficiente e de qualidade, onde as obras de arquitetura configuram uma equilibrada relação massa verde - massa construída, como queria Lúcio Costa, e o terreno, a base de apoio onde o novo habitat poderia surgir, articulando diferentes ritmos urbanos e sistemas de mobilidade, demandam ambos o seu desnudamento permanente para evitar serem capturados pelos “refúgios abstratos” aludidos por Clarice Lispector.

Hoje, o que interessa nas nossas cidades e sociedades divididas, são espaços e edificações capazes de estimular o sentido de pertença, pontos de enodamento entre o formal e o informal permitindo a convivência das diferenças, em ambiências de qualidade estética e alta intensidade social.

Projetar implica, desde esta perspectiva, combinar argumentos pragmáticos com percepções subjetivas. Assim, ao abordar um tema não surge necessariamente uma idéia única, senão um conjunto de idéias que vão formar a espinha dorsal de um projeto, e o significado do trabalho emerge quando se encontra o modo de interconectar todas as variáveis que intervêm, interpretando formal e espacialmente as forças e as circunstâncias que atuam no lugar. É na tensão entre lógicas heterogêneas que devemos operar uma interseção, capaz de permitir a coexistência entre termos que, em principio, não poderiam coexistir. Isto implica um tipo de operações de coesão capazes de possibilitar “compor em situação”, termos de lógicas aparentemente incompatíveis. Trata-se sempre da conexão entre fatores em tensão, buscando articular o espaço dos fluxos com o espaço dos lugares, favorecendo “encontros” e “alianças”, se movimentando entre produção estética e transformações sócio-espaciais... É sempre uma questão de re-imaginar as relações entre a nossa subjetividade, e o mundo... Desta forma, praticar a arquitetura e o urbanismo implica tecer uma densa rede de relações que amarram o imaginário à construção do mundo real...

 

Jorge Mario Jàuregui