Conceituação
A elaboração de projetos de articulação socio-espacial na escala urbana implica considerar a correlação entre fatores físicos (infra estruturais - urbanísticos - ambientais), sociais (econômico - culturais - existenciais), e ecológicos (ecologia mental - descontaminação das categorias de análise; ecologia social - revisão do "socius", isto é, do conjunto das relações sociais existentes no território objeto de intervenção projetual, e ecologia do meio ambiente - reconfiguração das relações estabelecidas entre "natureza" e sociedade). Incluindo simultaneamente a questão da segurança do cidadão (diretamente relacionada com a concepção do espaço público), na sua interseção com as questões do sujeito contemporâneo, isto é, as mudanças ocorridas no âmbito das relações sociais e de trabalho, que tem conseqüências diretas na modificação das condições de uso dos espaços e na mobilidade urbana. A abordagem projetual deve se dirigir para a busca do reequilíbrio, no território, das relações entre cidade, urbanidade e os espaços de uso coletivo, visando a convivialidade das diferenças. A concepção dos projetos urbanísticos deverá favorecer a produção da cidade densa, compacta, conectiva e verde, baseada no transporte público de qualidade, no estímulo ao uso da bicicleta como meio de locomoção, (oferecendo as condições necessárias), na minimização dos deslocamentos e no combate à dispersão (sprawl), enfrentando a ditadura do automóvel sobre o conjunto das políticas urbanas. Promovendo a criação de bulevares metropolitanos agradáveis aos pedestres, densamente arborizados, ladeados de edificações de usos mistos, onde bondes e bicicletas possam coexistir com os automóveis de maneira adequada. O que está em jogo neste momento histórico é a implementação de ações ambiciosas capazes de renovar a visão das questões, mediante a configuração de ambiências favoráveis à vida em sociedade, na escala humana, com qualidade estética, em espaços que ofereçam condições positivas para a interação social. A escala territorial dos problemas que devem ser abordados hoje em dia em relação com as questões sociais e de reordenação do espaço urbano, demandam a posta em movimento de uma "inteligência social" que tem a ver com a criação de clusters de inovação e produção, baseados na mobilização produtiva do território. E neste sentido, o papel do poder público como facilitador de condições para o acolhimento experimentação, tem que estar "à flor da pele" explorando os dramáticos eventos sociais e econômicos, de maneira audaz. Num contexto de desordem, dissociação, desresponsabilização e falta de qualidade do entorno construído, existe a demanda real para reinventar o coletivo com qualidade, mediante novas alianças entre o estético, a alquimia programática e a orientação social das ações. Os novos regimes temporais transformam as relações com o espaço, influenciando as localizações residenciais, as políticas habitacionais e de equipamentos e espaços públicos, a localização de centros de serviço e produção e as práticas de mobilidade, elementos todos que devem ser estruturados através de projetos de propostas inovadoras, é crucial. Estímulo à inovação e transcendência urbana. Neste contexto o direito à beleza num entorno de qualidade, favorável à vida em sociedade, continua desafiando a inteligência, individual e coletivamente. Urbanismo contra caotismo Hoje, o desafio consiste em pensar a fragmentação atual em muitos e pequenos universos centrípetos numa multiplicidade de locais desconexos que não formam uma estrutura, como algo que é necessário integrar, costurar, entramar, reconfigurar, articular. Em que fundamentar uma práxis nestes contextos? Como orientar as ações e sobre tudo, como fazer para combater a divisão, a “cidade partida”? Estas questões se enraízam no problema da relação com o diferente, com as situações urbanas e as comunidades que, por diversas razões, aparecem como “o outro” frente a um certo paradigma de “normalidade”. Isto cria o problema de reconhecer e lidar com a sociedade, nas suas “diferenças”. Trata-se de “entender” os conflitos, e propor sua estruturação. Esta “Babilônia” terrena, dividida, sem centro, deve buscar construir suas específicas ordens possíveis, dando “atenção” à recepção das demandas, “escutando-as” e analisar, se, de maneira imanente a elas, não existe alguma instância de ordem possível. Onde reconhecer então algum ethos comum que possa fundamentar algum tipo de ação? Justamente na inserção nos conflitos, buscando a conexão do diverso através de uma arte do “pôr em comunicação”, de in-formar, de buscar estabelecer relações, de relacionar, mesmo o que o senso comum afirma inconciliável. O que implica pensar desde uma posição de nós-outros, incluindo as tensões, a multiplicidade e o envolvimento nas questões a resolver. O projeto urbano como a estruturação de espaços de convivência, implica hoje levar em conta a temporalidade dos projetos e sua aleatoriedade. O urbanismo deve levar em conta os fluxos particulares que atravessam cada parte do território, cada setor da cidade, bem como sua inserção em redes cada vez mais amplas. O desafio é criar uma ordem, confrontados a influencias e restrições da mais variada natureza. Intervir hoje nas metrópoles latino-americanas implica pensar simultaneamente uma estratégia de atuação a partir da definição de conceitos que farão possível integrar os conflitos e as múltiplas influencias, privilegiando o tratamento dos limites entre “mundos” diferentes (condições sociais, econômicas, culturais, paisagísticas e de localização) garantindo uma certa coexistência sob novo signo; Trata-se mediante os projetos de descobrir possibilidades e qualidades, e compor uma nova paisagem a partir deles. Em uma situação dominada por fluxos da mais cariada ordem, é necessário estabelecer pontos de parada desses fluxos, lugares da possibilidade de encontros e intercâmbios reunindo uma variedade de atividades em torno do trabalho, esportes, serviço, lazer, cultura e habitação. Buscar uma expressão simbólica para estes lugares articulando a cidade dos fluxos com a cidade dos lugares. Desenho Urbano, contra o caos indiferenciado da especulação imobiliária de um lado e a debilidade do poder publico do outro, buscando articulações inéditas entre projeto e desordem do crescimento descontrolado, sob o sesgo do social como orientador. Não se trata de operações de redução através do marketing urbano, senão da criação de liberdade e convivialidade mediante a produção de uma “legitimidade intelectual”. Contra os fantasmas “metropolitanos” criados pelo marketing imobiliário, é necessário o “trabalho do pensamento”. Assumir a inelutável desordem da periferia trabalhando com as rupturas e as descontinuidades. Com uma afinidade de relações. Construir a partir da saturação é a questão. Buscar novas relações entre o fragmento e o conjunto, pensar novos equipamentos, tirar partido das desarmonias, da variedade de programas e das “intensidades sociais”; das proximidades e complementariedades. Coexistência de composição e decomposição visando a reconquista urbana, propondo novas continuidades entre espaço coletivo e espaço privado. É necessário partir do que está já no lugar, das suas relações, o que implica por em jogo uma “logica retroativa” baseada na leitura da estrutura de cada lugar, e na “escuta das demandas”. Manejo sustentável do território "As ruas e as praças são convenientemente dispostas, seja para o transporte, seja para abrigar-se do vento. Os edifícios são construídos confortavelmente; brilham de elegância e de conforto e formam duas fileiras contíguas, acompanhando de longo as ruas, cuja largura é de seis metros... ... Os habitantes das cidades tratam de seus jardins com desvelo; cultivam a vinha, os frutos, as flores e toda a sorte de plantas. Põem nessa cultura tanta ciência e gosto que jamais vi em outra parte maior fertilidade e abundância combinadas em um conjunto mais gracioso. Não é o prazer o único motivo que os incita à arte da jardinagem, há emulação entre os diferentes quarteirões da cidade que lutam à porfia por quem terá o jardim mais bem cultivado. Na verdade nada se pode conceber mais agradável, nem mais útil aos cidadãos que esta ocupação." ... Thomas More, A Utopia Hoje, às vésperas da Rio+20, a conferência mundial a ser celebrada tendo o desenvolvimento sustentável e a luta contra a pobreza como momento para refletir de maneira abrangente sobre os complexos desafios socio- ambientais-espaciais do século XXI, que tem a ver diretamente com as formas de ocupação e apropriação do território. O primeiro passo envolve a necessária "ecologia mental", que implica a descontaminação de noções tais como "gasto", "investimento" e "rentabilidade" das escolhas, deslocando-as dos imediatismos e ideologismos que normalmente limitam as análises e a abordagem dos problemas. Os aspetos fundamentais que devem ser contemplados nas decisões que afetam a ocupação do território, e por consequência, a vida do cidadão, vão do geral ao particular e abrangem: • A redução das emissões de CO² (e as cidades têm uma grande principal tema, é o responsabilidade nisso); • Promover a revegetalização das cidades a todas as escalas; entendendo a "questão verde" como a utilização progressiva de energias renováveis, a salvaguarda da biodiversidade, a abertura para a ecosustentabilidade das iniciativas, e mais simplesmente, a busca de algo de felicidade numa cidade que estimule a vida em sociedade; buscando o equilíbrio massa verde - massa construída de que falava Lúcio Costa, pois a massa vegetal urbana reduz a poluição atmosférica e a temperatura de 3 a 5º. • Levar em conta que os problemas sociais, urbanos e ecológicos já são inseparáveis, e devem ser tratados de maneira inter-relacionada; • Revisar o slogan modernista de "menos é mais" para "menor, porém melhor", o que coloca a questão da busca da qualidade como indissociável da quantidade: muita expressão, com o mínimo de elementos e o máximo de sensibilidade; • Contribuir para elaborar e por em prática uma filosofia da governança que defina em primeiro termo a escala adequada de abordagem, que deverá ser sempre territorial, humana e interinstitucional, o que envolve o redesenho do marco institucional e a implementação de mecanismos que facilitem a implementação dos programas; • Incorporar essencialmente ao âmbito das favelas, o que determina que a partir de agora a questão do eco habitat deverá considerar simultaneamente a inter-relação da cidade, a urbanidade, o espaço público e a moradia, como questões inseparáveis da configuração de cidades e bairros desejáveis de serem vividos, e não só como uma questão de quantidade. Neste sentido o programa MCMV, bem intencionado, necessita ser profundamente revisado no relativo à qualidade dos "agregados urbanos" que está produzindo. É necessário combater a cidade banal mediante estratégias de atuação que reconectem e requalifiquem o tecido ordinário de aglomerações fragmentadas; • Repensar as políticas públicas habitacionais à luz do reordenamento territorial e de adequação do espaço urbano, através de investimentos orientados à "produção de cidade", com qualidade urbanística, arquitetônica e ambiental, em áreas bem localizadas e com serviços de qualidade; • Estimular por todos os meios à reorientação dos comportamentos individuais e coletivos, através da indução de uma outra relação sociedade-natureza, onde o global penetra o local e este se constitui na base territorial para responder às maiores urgências; • Reorientar o ensino da arquitetura e do urbanismo, que deverá não só ter um caráter dominantemente ecológico quanto articulador das quatro escalas do urbano: a pequena (balanceamento dos espaços de proximidade, organizados ao redor de "pequenos coletivos") a media (reconceptualizando a escala do quarteirão agora aberto e multifuncional com uma variedade volumétrica capaz de garantir diversidade e combater a monotonia e uniformização de "soluções") a grande (onde a sequência de quarteirões configure bairros ecológicos com caráter próprio), e a escala territorial, o que implica repensar a conectividade geral da estrutura urbana, considerando simultaneamente as inter-relações das quatro escalas. Arquitetura, urbanismo, paisagem, mobiliário urbano e comunicação visual, devem ser concebidos de maneira integrada; • Promover e materializar clusters de investigação e produção tanto nas partes formais quanto informais das cidades, capazes de atuar como conectores e contribuir para a terapêutica política mediante um "crescimento limpo", isto é, que articule consistentemente os as considerações ecológicas ao domínio do habitat, fatores "naturais", e as sociedades humanas; • Estimular o design multidimensional identificando o que é suscetível de mudanças, através de projetos que "comuniquem". O design deverá ser entendido como parte de um processo complexo onde intervém diversas disciplinas o que envolve uma ética que excede o exclusivamente técnico-funcional; • Favorecer a cooperação para a inovação e a investigação de novas formas de atuação considerando os custos ambientais do "crescimento econômico", e a promoção de uma solidariedade de escala territorial, os pois sequer "municipais"; ecossistemas não têm fronteiras, nem "nacionais", nem • Apoio à implementação de projetos de caráter exemplar, capazes de indicar novos rumos na maneira de focalizar as questões socio-espaciais no território, visando a qualidade das intervenções. O "arquitetourbanista", deve, nesse marco, interconectar as diferentes variáveis se que garantindo a qualidade estética e a pertinência das propostas, contribuindo para a construção de laço social mediante projetos que promovam a transformação qualitativa da cidade. Metodologia para a articulação socio-espacial Partindo da experiência de atuação no desenvolvimento e implementação de projetos no marco de políticas públicas de urbanização de escala urbana, tanto para a cidade formal quanto a informal, a identificação dos tópicos fundamentais a serem considerados visa auxiliar a tomada de decisões, considerando o amplo espectro de questões a serem equacionadas. Todo projeto de articulação socio-espacial em cada uma das 4 escalas deve incluir: − A leitura de estrutura do lugar, a detecção das centralidades e fontes de convivência existentes, a identificação das carências e potencialidades, as condições de acessibilidade, infraestruturais e a condição das edificações. Elaboração de esquema-síntese; imbricam nos complexos processos socio-espaciais contemporâneos, − A "escuta" das demandas dos habitantes do lugar, através da implementação do método da "associação livre" e da "atenção flutuante". Neste sentido a participação da comunidade na elaboração dos programas e propostas tem 4 momentos principais: a) o estabelecimento do diálogo no local considerando que uma cidade (e um lugar) nos chegam "pelos olhos e pelos pés" (Walter Benjamin); (etapa de identificação e diagnóstico) b) a participação como consultores locais para identificação detalhada dos problemas e das potencialidades; (etapa de elaboração de projetos); o projeto concebido como instrumento para organizar "vontades coletivas", contribuindo para a formação de laço social; c) a contratação de mão de obra local pra execução das obras propostas pelo projeto; d) a participação como co-gestores junto com o poder público no gerenciamento P.O.U.S.O. (posto de orientação urbanístico e social), na constituição dos "condomínios sociais", nos comités gestores, etc; das necessárias adequações pós-obras, seja no − O levantamento da legislação aplicável à área, e as adequações que por ventura forem necessárias; o levantamento e a consideração de projetos e programas existentes nas diferentes repartições públicas, e nas concessionárias de serviços públicos; − O cruzamento interdisciplinário entre todos os "olhares" lançados sobre a área objeto de intervenção desde cada uma das disciplinas envolvidas, resultando nos mapas de diagnóstico e proposições, incluindo os aspetos físicos, sociais, ecológicos e de segurança do cidadão; − A definição dos programas cabíveis em função da consideração da escala de intervenção, e de um meditado balanceamento da relação custo-benefício na consideração das hipóteses projetuais; − A análise cuidadosa da questão habitacional, equilibrando o território mediante a configuração de novos setores residenciais, seja através da construção de novas unidades habitacionais incluindo o DNA urbano; da reciclagem de edificações abandonadas existentes no perímetro da área de atuação; da incorporação de melhorias habitacionais nas residências existentes; ou de uma combinação das três. A adequada relação massa verde - massa construída deve constituir o fundamento do agrupamento das edificações, abrangendo desde a escala de proximidade (pequenos coletivos), até o quarteirão, o bairro e a cidade. − A formulação do Esquema de Estruturação Urbana (Urban Scheme) constitui a peça chave que vai permitir integrar as políticas públicas pertinentes, no local de intervenção, e definir o horizonte dos investimentos necessários. Imediatamente após a elaboração do Projeto será possível iniciar o concomitante processo de regularização fundiária, a licitação para execução e o "plano de ataque de obras" para o planejamento da engenharia social necessária (relocalizações, indenizações, aluguel social, etc.) − O trabalho social necessário para a implementação dos projetos deverá incluir sempre a reeducação dos comportamentos em relação ao espaço público, a questão ambiental, o tratamento do lixo, e a assessoria necessária para constituição dos condomínios sociais, que envolve o sentido de responsabilidade compartilhada imprescindível para a convivência em novas condições de urbanidade. A minha tese é: A inexistência de espaços de convivência de qualidade, provoca a inospitalidade. São necessários espaços “de compartilhar”; espaços que implicam fazer com que as coisas se propaguem através das multiplicidades (que não são a soma dos múltiplos) senão suas possibilidades de coexistência e separação, ao mesmo tempo... Jorge Mario Jáuregui |