1. P - A partir da apresentação das suas obras no Rio de Janeiro, feita ao longo de três conferências (duas na FAU-RJ e outra no I.A.B) foi possível para os estudantes e arquitetos cariocas traçar um perfil amplo da produção do seu escritório, que consegue a pouco habitual conjugação de “Grande Escritório” com “Laboratório de idéias”. Poderia comentar esta relação?

R - O escritório que hoje trabalha profissionalmente com o nome Manteola, Sanchez
Gomez, Santos, Solsona, Salaberry e a sigla M/SG/S/S/S, foi se formando através de quase 40 anos de atividade, onde sempre os concursos de arquitetura, tanto nacionais (quando existem) quanto internacionais, tiveram um espaço de prioridade. O concurso para nós é mais do que uma competição para ganhar uma obra, é sobre tudo a oportunidade de pensar e propor algo que nos interessa realmente no campo da arquitetura em relação com o tema do programa. Daqui, desde esta ginástica alternativa, tem surgido os trabalhos mais teóricos, mais de tese, que poderíamos chamar “de laboratório”.

2. P - Entre as suas numerosas obras se encontram grandes encomendas públicas e privadas (Estádios, Conjuntos residências, Escolas, Torres de escritórios, etc, ver REVISTA 3 n° 03, 1994 e REVISTA 3 n° 07, 1995, editora SynTaxis S.R.L) e permanentemente intercalado entre eles, o tema da residência individual entendida como “unidade mínima geradora de idéias”, que depois são utilizadas para a solução dos mais variados problemas .Como se dá esta transposição?

R - Nunca temos deixado de nos interessar pelo projeto de uma casa, de uma residência unifamiliar, com seus problemas pontuais, intimamente vinculados ao usuário e ao sitio. As residências, além dos concursos, são o outro tema germinador de idéias, e como tais, são sempre motivo de muita atenção e tempo dedicado ao “desing” arquitetônico; é o mais próximo à “obra de arte” enquanto objeto especial, quase uma manualidade, com destinatários claros ,com um caráter singular, associado à idéia do repetível, que devêm da sua condição de obra feita por pedido, por encomenda. Junto com isto, a declaração de Le Corbustier que dizia, da casa e das casas ,que delas se podia inferir o plano ou a proposta de uma cidade; então, a modo de contraponto, e partindo deste critério, a casa também constitui um tema muito querido para nós, pois contém ao mesmo tempo o complexo mundo da pluralidade urbana e a singularidade própria da esfera do individual.

3. P - Vendo o conjunto da produção do seu escritório aparecem claramente uma série de qualidades e preocupações constantes que percorrem de uma ponta a outra todos os projetos, e que poderíamos sintetizar em alguns tópicos tais como a recriação do programa como ponto de partida, a claridade da planta, e uma idéia da criatividade entendida como experimentação permanente que assume os riscos da revisão crítica de cânons e aprioris que permeiam o campo da prática profissional. Como pensa estas questões?

R - A produção do escritório é variada e até poderia se dizer que adolece de um certo ecletismo, o que de alguma maneira não estaria mal , se lembrarmos que o escritório está hoje constituído por quatro projetistas, que mesmo que respondamos aos mesmos princípios arquitetônicos, temos diferentes formas de aborda-los. Sempre a re-elaboração
do programa tem sido a nossa preocupação e em muitos casos nosso acerto, considerando que reescrever o programa é interpretar desde as idéias próprias, as idéias do outro , pensando com maior liberdade, buscando a essência do problema. As plantas claras, que resultam de partidos claros, são o nosso objetivo. Uma boa planta resiste até os maiores caprichos dos arquitetos, e de ali, num diálogo silencioso entre o papel, o lápis e a cabeça, se pode desenvolver um bom projeto, sempre em referência á prática profissional; atravessando obliquamente o problema dos cânons se assumem riscos estéticos e arquitetônicos, tratando de não burocratizar as idéias na sua repetição. O risco da experimentação intelectual carrega esse perigo na nossa profissão, pela sua vez tão exigida pelo êxito do comercial, mas também significa conquistas quando se consegue transmitir um valor estético à “cultura de mercado” imperante. Considero que isto é experimentação com profissionalismo.

4. P - Retornando à questão dos concursos, gostaria que comentasse os processos de abordagem projetual, no qual os concursos funcionam como “disparadores de idéias” que depois vão se desenvolvendo em trabalhos concretos que permitem chegar a essas “margens de perigo”, ás quais se referiu nas suas conferências.

R - O concurso é o espaço da tese projetual onde se abrem os discursos arquitetônicos, recriando-se e comparando-se as idéias; também assinalei o perigo dos momentos nos quais o desenho pode ficar detido entre questões comercias. Sintetizando, poderia dizer que é bom, frente a um projeto complexo, pensar como um engenheiro na sua resolução técnico-funcional, e como um artista-arquiteto na sua resolução definitiva.

5. P - Qual é a sua experiência como docente no sentido de transmitir e receber influências, orientações, aquilo que alguns chamam “o espírito do tempo”, ou “zeitgeist” algo tão mutável nas duas últimas décadas? E como funciona a Universidade enquanto “caixa de ressonância” de inquietudes que se referem tanto ao social quanto ao estético? e ao mesmo tempo como lidar com isto numa sociedade tão ávida de inovações como a Argentina?

R - O ensino da nossa oficina, que é vertical de desenho I até V, o dividimos em três áreas. Nos níveis I e II se ensina, existem quantidades de aulas teóricas e os docentes cumprem a função de ajudar os alunos que acabaram de ingressar, buscando a compreensão do fantástico que foi no seu momento o “Movimento Moderno”. Nesse processo os alunos vão adquirindo uma cultura arquitetônica básica, racionalista e com conhecimento dos mestres. Já nos níveis III e IV, os alunos aprendem, quer dizer, aprendem a aprender, estão mais sozinhos, devem buscar seus referentes e escolher seus mestres; os docentes só acompanham. Se discute mais e diminui a quantidade de aulas teóricas. Finalmente, desenho V é quase um trabalho de tese, sendo a cidade a grande protagonista com a que se começa a trabalhar desde DI. Nesta etapa final os alunos concorrem à faculdade só cada 15 dias, tendo uma crítica global com o titular e os docentes. Assim, a universidade é simultaneamente o lugar do grande encontro das gerações, o lugar de intercâmbio de idéias e o momento do crescimento, porque a formação devêm como conseqüência deste encontro, como um fenômeno coletivo onde todas as idéias são importantes, mesmo que seja só para rebate-las.

6. P - A questão habitacional teve e tem uma presença constante ao longo da produção do seu escritório e isto tem lhe permitido adquirir uma significativa experiência neste campo, que é da máxima transcendência social e um dos principais configuradores da cidade. Considerando que as áreas residências definem a maior parte do território de uma megacidade (como o Rio de Janeiro por ex) onde se sobrepõem enclaves de elite, bairros de classe média e favelas no mesmo espaço físico, algumas poucas e marcantes intervenções pontuais de alto valor “demonstrativo” lhe parecem significativas neste contexto?

R - Creio que as cidades contemporâneas latino americanas, tais como Santiago, Rio, São Paulo ou Buenos Aires, são construções fenomenais da cultura humana e como tal devem se desenvolver, sem temer as grandes concentrações urbanas. Com o transcorrer do tempo, o que hoje são favelas, “villas miséria”, “poblaciones”, etc, sendo bem levadas, no futuro poderão se transformar em valiosos setores da cidade. A cidade necessita ser ocupada por gente, vivida, destruída e reconstruída; sendo um organismo vivo, deve crescer e melhor se o faz para cima, em altura, de maneira a evitar o subúrbio do subúrbio do subúrbio. A cidade deve ser contraponto entre força e calma, mas esta disputa deve se dar dentro dos seus próprios limites, sem produzir margens descontroladas.

7. P - Ao seu juízo, é possível inovar no campo do habitacional, abrangendo desde o partido urbanístico até os aspectos programáticos, técnicos e estéticos?

R - Creio que é possível repensar continuamente sobre os programas de habitação, mudar os elementos básicos até o esgotamento; há sempre uma maneira melhor de resolver um problema habitacional, seja o sol, a sombra, novos grupamentos, a possibilidade do pátio, o estar único, os serviços, o lugar, os exteriores, a economia, os materiais, a forma.

8. P - Quais edifícios e arquitetos contemporâneos lhe interessam mais?

R - Em geral, poderia dizer que diferencio entre os mestres do “high tech” como Foster, Rogers ou Piano, e os arquitetos do manejo sutil do espaço, que experimentam com materiais tradicionais, arquitetos de síntese, como Tadao Ando ou Alvaro Siza. Entre os brasileiros, Paulo Mendes da Rocha tem me impressionado muito bem com o Museu de Esculturas em São Paulo.

Jorge Mario Jáuregui