Proyecto de Investigación
A QUESTÃO URBANA BRASILEIRA Um dos dados mais importantes, e ainda pouco estudados, do Censo 2000 é a identificação de um novo fluxo migratório na década de 90, de famílias oriundas do interior pobre brasileiro, especialmente do Norte e Nordeste, para os grandes centros urbanos. Reforça-se, assim, a lógica concentradora que tem acompanhado a modernização brasileira, aprofundando os desequilíbrios regionais e tornando ainda mais complexa a situação dos principais centros urbanos do país. Contudo, diversamente do grande fluxo migratório que, durante cerca de três décadas (anos de 1950 aos de 1970) adensaram cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife, este novo fluxo não se explica pela ampliação em larga escala da oferta de trabalho nos centros urbanos, ao contrário, ocorre em um período recessivo, em uma década de quase estagnação da economia nacional. A vinda para as cidades grandes, portanto, além de acirrar a disputa por trabalho sobretudo na economia terciária, reduz as possibilidades de exploração das brechas de oportunidades na economia informal que a própria vida urbana proporciona. A esse fenômeno, de ordem demográfica, e que se relaciona à dinâmica federativa brasileira, deve-se superpor um outro, que tem sido identificado pela literatura especializada, e que estaria se manifestando, em maior ou menor grau, em todas as sociedades industrializadas. Trata-se da redefinição do padrão característico das regiões metropolitanas, que estruturou e hierarquizou os aglomerados urbanos das sociedades modernas e fordistas. As mudanças na estrutura produtiva têm provocado, entre outros fenômenos, uma contínua diminuição da população empregada no setor secundário, hipertrofiando a demanda no setor terciário, ao mesmo tempo em que ampliando a inserção precarizada no mundo do trabalho. No caso brasileiro, tais fenômenos têm se manifestado de modo bastante agudo, provocando a fragmentação territorial das regiões metropolitanas, exigindo das administrações locais a inglória busca de alternativas à desorganização da relação funcional antes existente entre o núcleo e a periferia. Enquanto isso, parte das populações dessas cidades periféricas aumenta a disputa pelos trabalhos que exigem baixa qualificação, e pelas escassas áreas disponíveis para novas ocupações habitacionais existentes nos grandes centros urbanos. A conjunção desses dois fenômenos, além de ampliar a população de rua que, freqüentemente, tem residência nas cidades periféricas, tem produzido uma contínua favelização dos centros urbanos. No caso da Cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, de acordo com o Censo 2000, um milhão e cem mil habitantes vivem atualmente em favelas, e, na última década, sua taxa de crescimento foi pelo menos três vezes maior que a população da cidade formal. Estamos falando, portanto, de quase 20% da população da cidade. Somada a outros 900 mil habitantes dos chamados loteamentos irregulares e clandestinos de baixa renda, tem-se que quase 1/3 da população carioca vive na chamada "cidade informal". A expansão dos territórios informais nos principais centros urbanos brasileiros deve ser encarada como um problema de primeira grandeza para a democracia brasileira. O recrudescimento da violência urbana no país, por exemplo, não é somente uma expressão imediata do crescimento do desemprego e dos trabalhos precários, mas também uma consequência do fato de que grandes aglomerados habitacionais vêm se convertendo em territórios regulados por autoridades informais, nos quais não faltam uma ordem jurídica e uma moralidade mais ou menos autônomas. Não por acaso, nesse ambiente vicejam, de modo crescente, os negócios clandestinos, envolvendo tráfico de drogas e de armas, que importam para esses territórios mecanismos autoritários de controle social, que, em muitos casos, chegam a cancelar os direitos civis mais básicos das populações que ali vivem. Por outro lado, a literatura especializada também tem salientado que, na configuração atual do capitalismo, quando já não faz sentido apostar nos grandes conglomerados industriais como fonte de desenvolvimento, o apoio a estratégias de geração de renda nas próprias comunidades oferece-se como uma alternativa interessante. A propósito, muitos desses grandes aglomerados habitacionais já têm internalizado em seu território uma intensa atividade econômica voltada para o mercado consumidor local. Nas grandes favelas cariocas, por exemplo, isto é, aquelas com mais de 10 mil habitantes, floresce uma dinâmica economia informal, que chega a absorver, em alguns casos, cerca de 10% da população economicamente ativa local. Suas possibilidades de expansão, todavia, desafiam os limites da ordem formal, que precisa ser ampliada. Essas considerações sugerem que o alcance das ações locais, sem dúvida fortalecidas pelo Estatudo da Cidade, dependem fundamentalmente da construção de uma política nacional, para a qual será de crucial importância um novo pacto federativo. Daí que para contemplar uma nova agenda de políticas para a questão urbana brasileira, torna-se imprescindível a criação do fóruns de dicussão metropolitanos, do qual façam parte os segmentos organizados do mundo popular, e os governos federal, estaduais e municipais. Com isso, será possível construir uma política democrática de desenvolvimento regional capaz de estimular a necessária desconcentração demográfica no país, de fortalecer as economias das cidades satélites das regiões metropolitanas, e de potencializar a economia informal das grandes favelas e de outros tipos de aglomerados habitacionais informais existentes nos centros urbanos brasileiros. Marcelo Baumann Burgos, Professor do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, e Assessor de Extensão da UNIG. Organizador de "A Utopia da Comunidade. Rio das Pedras, uma favela carioca, PUC-Rio/Loyola,2002.
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