Proyecto de Investigación

Pedro Cláudio Cunca Bocayuva - FASE
e-mail: pcunha@fase.org.br
Javier Fernández Castro - FADU-UBA
e-mail: sicyt@fadu.uba.ar
Marcelo Baumann Burgos - PUC-Rio
e-mail: socpolan@soc-puc-rio.br

Desenvolvimento local e redes sócio-produtivas
Pedro Cláudio Cunca Bocayuva (Diretor da FASE)

Apresentação

Na primeira parte desse trabalho procuramos apresentar a temática do desenvolvimento local contextualizada a partir da globalização das redes transnacionais financeiras e de produção e diante do seu impacto sobre as relações sociais e produtivas territorializadas. Num segundo movimento procuramos estabelecer a tensão dialética presente nos fluxos que atravessam os diferentes espaços produtivos e os sistemas e relações de trabalho no plano local.

No texto identificamos a importância do agenciamento sócio-produtivo e dos conflitos locais vistos como força de construção de alternativas de desenvolvimento e tendo por base o poder do potencial criativo do trabalho humano vivo.

A mundialização

O espaço mundo do capital, enquanto processo continuado de formação dos territórios produtivos do capital em escala internacional, constitui o campo de observação mais vasto das ciências espaciais. A divisão internacional do trabalho articulada na dimensão mundial e condicionada pelos ciclos de acumulação capitalista, marca o tempo histórico das durações temporais e crescentemente constrói as relações espaciais na sua diversidade de recortes, de escalas. As dimensões verticais de comando, informação e comunicação se cruzam com as dimensões horizontais materiais de produção e consumo. A geografia humana, historicamente construída nas estruturas sociais da localização, organiza o mundo como sistemas de relações desiguais entre territórios conforme as relações de força e comando que estruturam a mundialização do modo de produção capitalista.

Os objetos técnicos e o comando informacional redesenham o espaço mundo como organização do trabalho e apropriação da riqueza, constituindo o padrão sistêmico de articulação das relações de dominação e distribuição de poder entre os lugares. Essa visão estrutural do processo de constituição do espaço humano gera ritmos desiguais e potencialidades diferenciadas de enfrentar os impulsos das forças produtivas sociais: seus objetos materiais e imateriais povoam e condicionam os sistemas de vida.

A categoria de "economia mundo" foi elaborada por Fernand Braudel para designar o todo unificado através dos fluxos e mecanismos de acumulação que constituem o espaço da economia capitalista em escala internacional. A noção de mundialização expressa a sua forma de constituição da economia mundo, dentro dos ciclos de acumulação internacional historicamente configurados. Os ciclos sistêmicos de acumulação são ordenados a partir dos regimes de acumulação e padrões de regulação estabelecidos pelos modos dominantes de agenciamento sócio-produtivo, empresarial, comercial e financeiro.

A implantação dos regimes de acumulação e os agenciamentos estratégicos, para a formação da economia mundial, resultaram em sistemas ordenados pelas empresas e orientados pelos mercados, se desdobrando como sistema mundo desigual sócio-economicamente. A globalização é a forma atual de aceleração desse processo de mundialização percebido na longa duração e na sua implementação como divisão sócio-espacial do sistema capitalista mundial.

A hierarquização e a divisão internacional do trabalho se manifestam sob a forma de articulações desiguais entre as dinâmicas e os fluxos de capital face ao conjunto das conexões geradas com os diferentes territórios nacionais e locais. Os diversos lugares são conectados e atravessados pelas redes multinacionais, pelas relações e dinâmicas definidas pela diversidade dos seus modos de organização social, assim como, pelos conflitos entre os modos específicos de inserção e conexão na economia internacional. As áreas diferenciadas da economia mundo são como fragmentos de um mesmo sistema que, na sua enorme diversidade, são submetidas ao mesmo jogo de controle através dos padrões de organização e atravessamento dominantes no modo de produção capitalista.

A economia mundo, dirigida pelas redes empresariais e pela forma imperial do domínio geopolítico, pode ser representada pela metáfora do "arquipélago" com suas inúmeras ilhas. A economia mundo capitalista mantém relações específicas com as regiões que por ela são atravessadas ou onde se encontra implantada. As trajetórias dos territórios, e dos grupos sociais que o ordenam, parecem não dar conta dos processos de compressão tempo-espaço em curso que enfraquece a capacidade adaptativa dos atores e das forças orientadas pelo mercado.

A concorrência entre os lugares dá a tônica nos esforços para tentar reter e garantir localmente a ação de empresas. Mas os esforços de adaptação localistas são insuficientes para responder aos problemas postos para o desenvolvimento. Os processos internacionais são agravados pela nova lógica de acumulação desencadeada pela tentativa do capital de escapar aos limites da crise de valorização. O padrão fordista de regulação da produção e do consumo, que marcou os trinta anos do pós-guerra, está esgotado.

A saída para as dificuldades e restrições colocadas para a integração das economias nacionais ao quadro descrito, exige uma virada de ótica que observe os padrões de êxito na resistência social das populações na construção de estratégias políticas sócio-sustentáveis e na organização produtiva com base em recursos desconsiderados pelos padrões tradicionais de modernização.

Para a reflexão acerca de uma nova via de desenvolvimento capaz de responder ao processo de desterritorialização, seguimos a tendência que busca a valorização das dimensões sócio-territoriais e das redes sociais. Destacamos, particularmente, a hipótese de construção de saídas políticas que valorizam a noção ampliada de desenvolvimento local. A observação de trajetórias vitoriosas de construção de estratégias adaptativas e de resistência no plano local, aparece como um vetor de formulação de novos referências de construção para políticas.

Globalização e fragmentação

A globalização mais do que uma homogeneização mercantil-monetária das relações internacionais, pela via dos fluxos transnacionais, redefine o poder e as relações entre os lugares. O capitalismo globalizado hierarquiza os processos de decisão e informação, através das redes produtivas e financeiras, ao territorializar os centros de decisão e ao separá-los dos espaços de execução das funções de produção.

O processo de globalização gera efeitos de fragmentação em cadeia ao definir os padrões organizacionais e logísticos, ao desmaterializar os processos e produtos, ao desterritorializar e deslocar funcionalidades e capacidades instaladas. A questão das oportunidades que se abrem para as estratégias locais se encontra subordinada aos problemas gerados pela complexidade das novas relações entre fixos e fluxos de capital, de trabalho e de tecnologias.

O espaço local sofre os efeitos das redes geradas pelas cadeias de controle telemático que extraem a mais-valia social nos diferentes espaços atravessados pelo capital global. A dimensão telemática sobredetermina os padrões de comando e controle tornando mais fluida a relação com os sistemas e as capacidades instalados nos lugares. Os problemas sociais, econômicos, políticos, ambientais e culturais gerados com a desorganização dos lugares, pelas suas diferentes trajetórias e capacidades instaladas, produzem novos conflitos e restrições. O que impede uma integração internacional exitosa se partimos dos termos impostos pelas dinâmicas e fluxos das redes globais. Esse processo de fracassos em cascata pode ser observado pelas crises que atingem as regiões periféricas do sistema que seguem o receituário neoliberal do "Consenso de Washington".

Os espaços nacionais deixam de apresentar mobilidade e capacidades ativas de resistência ao processo de esvaziamento das estruturas produtivas do desenvolvimentismo tradicional gerando efeitos perversos para as sociedades. Entretanto, podemos observar, em alguns casos, políticas de inserção e adaptação virtuosas em relação aos paradigmas produtivos em rede da economia internacional integrada pela telemática. As redes regionais e locais criam ou fortalecem seus sistemas produtivos locais com base em mecanismos e agenciamentos sócio-produtivos inovadores. Esta inovação esta baseada na integração de potencialidades culturais e cooperativas locais.

Nos casos exitosos os efeitos da mobilização política, cultural e associativa para a implementação do desenvolvimento endógeno se orienta por estratégias de formação de redes tanto no sentido da articulação político-social quanto no sentido das redes tecnológicas. O que favorece a cooperação produtiva que é uma das formas de manifestação do desenvolvimento local alternativo. Embora outros tipos de manifestação possam ser observadas nas políticas sócio-solidárias centradas no manejo do chamado "capital social".

O desenvolvimento local não é um localismo

O território das nações quando posto sobre o prisma da compressão tempo-espaço da globalização, sob o comando do regime de acumulação flexível, aparece como um conjunto de fragmentos incapazes de dar conta da enormidade do desafio para uma integração e disputa na economia mundo em expansão. Mas a vitalidade e os processos de resistência e conflito em relação aos mecanismos dominantes, nos fluxos e redes empresariais e na geopolítica multinacional, paradoxalmente, depende da dimensão local enquanto lugar de ordenamento e agenciamento de contra-estratégias. O conflito local gera a emergência de alternativas de mundialização a partir de blocos de forças sociais e iniciativas que emergem, desde baixo, na hierarquia e jogo de forças atravessados pelas metamorfoses na divisão internacional do trabalho.

A dimensão sócio-espacial que modela a hierarquia das relações entre os diferentes territórios, no contexto da globalização, exige uma abordagem complexa e dimensionada na grande escala. O desenvolvimento local não é um localismo, mas sim, um conjunto de respostas e conflitos dados pelas forças sociais e produtivas presentes num dado território. O desenvolvimento local emerge como a questão das oportunidades estratégicas nascidas das respostas para fazer frente ao atravessamento ativo dos sistemas locais, regionais e nacionais pelas redes e fluxos transnacionais.

As ações que incidem e comprimem o espaço local, na sua conexão com a dimensão nacional e global, desencadeiam processos de exclusão, subordinação, adaptação e reação, conforme as forças sociais, a organização política e os arranjos sócio-produtivos locais. Os modos de organização e os recursos das sociedades, observados dentro do enfoque do espaço e das relações sociais, são a ponta de lança para a criação de iniciativas voltadas para a possibilidade de outras vias de desenvolvimento.

Elementos de êxito

As integrações e sistemas cooperativos de pequenas e médias empresas com mecanismos de aproveitamento da bacia de conhecimentos e competências empreendedoras e do trabalho no plano local ou regional e a formação de distritos industriais e outros padrões de cooperação e agenciamento produtivo local têm sido modelos amplamente debatidos como base para sistemas alternativos. Embora ainda possamos encontrar dinamismos nos modelos nacionais reciclados para desenvolvimento por aprendizagem, complementado por políticas pró-ativas e coordenação estatal nacional, que têm sido a forma clássica dos NICs asiáticos. Mas os deslocamentos continuados do capital transnacional para novas periferias, como no sudeste asiático, tem sido um fator de esvaziamento para a opção por esse tipo de "fordismo periférico" como base para o desenvolvimento nacional. Esse movimento vai gerando desigualdades e efeitos tanto quando da sua entrada quanto da sua saída, isto é, o capital aumenta sua capacidade de deslocamento e reestruturação permanente diminuindo o poder de barganha dos governos nacionais, regionais e locais que buscam se manter em adaptação e flexibilidade para permanecer objeto das políticas de investimento e localização de capital direto.

Transição produtiva e metamorfoses do trabalho

As metamorfoses no sistema produtivo e os seus impactos ligados aos padrões de organização e divisão do trabalho aparecem na forma mais aberta da flexibilização espúria (centrada no rebaixamento dos custos do trabalho). O trabalho se torna difuso pelo seu efeito de ultrapassagem de fronteiras e quebra de limites políticos pactuados. A terceirização, a desregulamentação, a desterritorialização tornam o território uma fronteira ampliada para as novas modalidades de fabricação e organização do processo de trabalho em rede. Essas formas de recriação de novas diferenciações internas ao mercado de trabalho facilitam a oferta de trabalho excedentário, através da força da ação do poder desorganizador dos modos de desmaterialização dos produtos através do domínio informacional e comunicacional. O manejo das clivagens sociais e étnicas de uma classe trabalhadora difusa, nos países e no espaço global, produz uma intensa luta entre as pessoas e os lugares, com um enorme enfraquecimento do poder de barganha das classes trabalhadoras.

Mas a força coletiva do trabalho apropriado pelas redes transnacionais leva, também, a uma revalorização de pontos e lugares capazes de promoverem uma disputa de poder através dos modos de apropriação da riqueza ou da mais valia social. O mesmo processo que reduz custos e elimina o poder do trabalho fragmentando e alimentando clivagens sociais, étnicas, culturais e geracionais, acaba por sobrevalorizar os recursos e poderes do ambiente, da cultura e das capacidades associativas próprias aos lugares. Ao penetrar nos territórios ou ao forçar reestruturações o capital transnacional acaba por mostrar o valor crescente do tecido social local e mesmo dos recursos ambientais e energéticos. Os conteúdos de informação, cultura e técnicas locais servem para a criação dos diferenciais de adaptação de processos e customização de produtos que só podem ser realizados pelo trabalho vivo e localizado.

O trabalhador coletivo, ora capturado ora excluído da rede produtiva de bens e serviços, organizado para a acumulação em escala global, ganha novas possibilidades de resistência e ação a partir dos planos e conflitos locais. O que produz efeitos em cadeia na rede global como pode ser observado pelos conflitos, que se mundializam, ampliando as áreas de atrito e dificuldade de manutenção dos mecanismos de controle unidimensional do capital em face à pluralidade de atores que buscam novas saídas, como ocorre nas lutas contra a Área de Livre Comércio nas Américas (ALCA), nas lutas para o controle da Internet, ou mesmo, na disputa sobre a propriedade intelectual de medicamentos.

A tensão gerada pela metamorfose produtiva com a precarização das relações de trabalho e dos direitos sociais, acaba por se ver diante do fato da necessidade de uma reapropriação pelo capital dos conteúdos e das formas vivas de trabalho. A crise da sociedade salarial não significa o fim da centralidade do trabalho que permanece apesar das clivagens exploradas conscientemente pelo capital. O capitalismo globalizado acaba se batendo com os limites do espaço para a expansão dos padrões de flexibilidade espúria. E, involuntariamente, acaba por conectar o trabalho intelectual com os demais produtos do trabalho material localizado. A classe trabalhadora afetada pela dispersão e fragmentação começa a poder se reunificar com base na materialidade das redes virtuais e fluxos que atravessam os territórios.

Externalidades ou a abordagem sócio-territorial

O tema das externalidades sociais como fatores de organização produtiva se relaciona com os fatores de flexibilidade e a organização da produção em rede, o que implica relações com os contextos humanos reais e virtuais localizados. A extensão dos conflitos acompanha a linha de força das redes que se exteriorizam e desterritorializam buscando capturar iniciativas, criatividades, conhecimentos, para construir e aproveitar vantagens presentes nos lugares enquanto impulso para estratégias competitivas. O que cria potencialidades para estratégias alternativas tanto no plano da luta social quanto no que refere ao horizonte das estratégias alternativas de desenvolvimento sócio-sustentável.

A busca de alternativas para a crise do modelo de desenvolvimento coloca na ordem do dia uma releitura do significado das relações sócio-espaciais enquanto espaço para o estabelecimento de novos arranjos capazes de fazer frente ao processo de globalização. Ao observar o poder de absorção do conjunto dos recursos e potencialidades presentes num dado território, a partir da organização das redes empresariais e financeiras, podemos notar a presença de forças capazes de gerar uma disputa de sentidos e iniciativas que redirecionam os projetos e políticas de desenvolvimento. Podemos tomar como fatores indicativos as ações de redistribuição de renda e poder pela via da democracia participativa, as modalidades de resistência camponesa-indígena ou a variedade dos tipos de cooperação sócio-produtiva em sistemas industriais e pós-industriais.

No caso do Brasil é a combinação entre essas múltiplas formas combinadas numa estratégia nacional que serve de referência para pensarmos num sistema de respostas para a construção de uma nova via de desenvolvimento. As dimensões sócio-ambiental, espacial-produtiva, cooperativa e democrática do desenvolvimento se colocam na macro escala da crise orgânica nacional. Mas as redes locais e a dimensão federativa de um processo de desenvolvimento de novo tipo torna-se central para criar as bases materiais e subjetivas para um novo projeto nacional articulado com uma estratégia alternativa de manejo das possibilidades construídas pela crise da economia mundo capitalista.

No novo foco centrado nas possibilidades de uma estratégia de desenvolvimento local, como componente de uma escala mais ampla de projeto nacional, cabe a reflexão sobre um resgate do sentido estratégico da relação entre o poder associativo e coletivo do trabalho e a dimensão territorial. Essa via de reflexão foi aberta pela dinâmica das redes, e serve de horizonte para uma perspectiva voltada para novos padrões de desenvolvimento a partir de agenciamentos sócio-produtivos locais. Os novos padrões de cooperação do trabalho compreendem o potencial das dinâmicas territoriais como instrumento de emancipação e conflito social capazes de gerar novas alternativas e padrões endógenos de desenvolvimento. Esse processo tem como base as forças do poder associativo e cooperativo da inteligência coletiva, do tecido associativo e das redes e potencialidades organizativas presentes num dado lugar.

Cooperação produtiva e federalismo

A visão do território passa do entendimento que o toma como uma bacia inerte e subordinada de força de trabalho disponível para os arranjos do capital, em seus ciclos econômicos curtos e com base na exploração de diferenças, para pensá-lo como uma bacia ativa de força de trabalho com potencial cooperativo. Dessa forma, cabe uma estratégia que vai somando os acúmulos e potencialidades locais para a construção de uma nova produção em rede intensiva em informação e comunicação, cooperação e criatividade. As vantagens competitivas que podem ser construídas por via das especializações e do aproveitamento das culturas e redes sociais e técnicas locais, tornam-se objeto de disputa e conflito para a geração de arranjos institucionais e agenciamentos produtivos.

Assim, os projetos de desenvolvimento local partem da dimensão territorializada das redes com sua potencialidade de aproveitamento da criatividade do trabalho humano vivo. O caráter abstrato das relações de exploração da mais-valia social difusa operada pelas redes telemáticas acaba tendo que se render e disputar o aproveitamento das formas institucionais e sistemas de relações localizados, o que indica tanto a possibilidade de novos conflitos quanto a possibilidade de novos arranjos sociais para o aproveitamento do trabalho e da cooperação empresarial produtiva.

A questão democrática e da qualidade de vida passam a contar na barganha e na qualidade dos sistemas de relações locais, pois esse processo implica em mudanças nos padrões de renda e consumo. Mas o desenvolvimento local continua oscilando numa disputa de fundo entre nova dualização das relações sociais e dos sistemas produtivos para o aproveitamento de vantagens locacionais espúrias X a busca de sistemas de cooperação sócio-produtiva baseados na valorização de processos participativos e redistributivos. Uma outra chave de leitura e a ecológica ou dos cenários de ausência de acúmulos de base associativa e comunitária indispensável para a via mais virtuosa de inclusão social e democratização.

Os problemas derivados da escassez de recursos para estratégias centradas na alavancagem de potencialidades locais para a transformação política e ou produtiva remetem para as dimensões das escalas regional e nacional nas estratégias. Isso implica repor o tema do desenvolvimento local dentro de um enquadramento de questões da ordem dos pactos federativos nacionais. As formas de integração continental tornam-se fator de viabilização de outros esquemas e conflitos econômicos e políticos agravados pelas formas de integração com ênfase na dominante mercantil-capitalista.

Os atores e as políticas

Essa tensão entre as redes globais e as dinâmicas locais faz com que se interliguem e se constituam novos formatos de empresas e padrões de organização e divisão sócio-espacial do trabalho. Os efeitos políticos dos processos de reorganização dos regimes institucionais e de governo encontram novos atores e agenciamentos que catalisam as possibilidades de aproveitamento do potencial cooperativo presente na cultura sócio-produtiva local. As redes de empresas, os microempreendimentos, as cooperativas e as organizações de autogestão emergem como padrões de solidariedade e cooperação produtiva que ampliam a complexidade política das novas figuras e relações de trabalho. Desta maneira, as bases materiais transformadas e os recursos imateriais revalorizados colocam em ação dinâmicas produtivas que dependem diretamente da capacidade de ação dos sujeitos sociais e das instituições políticas.

Os novos atores potencialmente presentes no território, entendido como espaço produtivo, podem apreender e animar as potencialidades de cooperação e ação solidária para gerarem novas estratégias de desenvolvimento. O novo tipo de empresariamento e estratégia produtiva que pode ser articulado com as potencialidades da interação entre redes sociais locais e padrões de organização e agenciamento produtivo em rede que combine os elementos tangíveis com os intangíveis, permite abrir um amplo leque de políticas que modifique as trajetórias de fragmentação sócio-territorial.

O contexto espacial urbano

A riqueza e complexidade das sociedades e dos seus espaços sócio-produtivos e histórico-antropológicos propiciam a busca de alternativas segundo os diferentes paradigmas e prioridades das políticas e dos agentes do desenvolvimento. O contexto urbano metropolitano é mais favorável para as estratégias adaptativas no sentido de ancorar empresas e atrair capitais para as tentativas de integração de redes e distritos locais com os fluxos globais. Assim como também para os ordenamentos autônomos das relações horizontais de cooperação solidária não mercantil.

A gestão local que propicia as novas estratégias de desenvolvimento que modificam os condicionamentos do processo de globalização, reorganizando as forças sociais e as redes no território, pode ser melhor desenvolvida a partir das cidades como ponto de condensação de fixos, de fluxos, de trajetórias associativas, de acúmulos culturais, de bacia de competências e conhecimentos. As possibilidades de construção de sistemas intensivos em conhecimento e valorizadores das potencialidades inscritas no plano associativo passam pela construção de esferas públicas capazes de dar conta dos desafios colocados para fazer frente ao caráter especulativo e fugidio dos fluxos transnacionais, para potencializar o uso das externalidades sócio-culturais como valores estratégicos para as políticas públicas.

Os recursos e a logística exigida para fazer face ao advento das redes de informação, comunicação, tecnologias e serviços exige uma atividade de agenciamento intensivo dos recursos da inteligência e do trabalho coletivo. As cidades são os grandes reservatórios dessas potencialidades de construção estratégica dos novos sistemas. O contexto espacial urbano possui melhores possibilidades de gerar respostas aos paradigmas gerados pelas mutações da revolução tecnológica, bem como para fazer frente às restrições geradas pelos padrões de exclusão e controle do capital global.

Solidariedade local

A competição global parece impor aos sujeitos políticos a construção de formas de cooperação e solidariedade local, com graus variados de integração, competição e participação nos projetos nacionais em crise. A sociedade local vira fonte de economias externas capazes de articulação no plano nacional e global. O Estado nacional deve levar em conta essa virada em relação aos paradigmas tradicionais de modernização e desenvolvimento - como pode ser observado em experimentos destacados pela literatura que debate a crise do desenvolvimento.

A competição internacional acaba reforçando a vocação econômica de bacias de trabalho/empreendimentos que se especializam progressivamente nos diferentes setores e cadeias produtivas. Esse processo pode ser observado, relativizando sua aplicação para os cenários periféricos, na Itália, Alemanha, Dinamarca e nos Estados Unidos, países que abriram novas vias com os distritos industriais e os sistemas produtivos locais. Os pólos de desenvolvimento de empresas e produtos de base tecnológica e territorórios-empresas ganham validade heurística para pensarmos os sistemas produtivos locais.

Por outro lado, temos as iniciativas de gestão social e participativa de governos locais como vem ocorrendo no Brasil e que se colocam num terreno mais amplo de democratização qualitativa das políticas públicas, principalmente a partir do manejo do orçamento e da emergência de novas esferas públicas.

Novo ambiente institucional

O novo ambiente institucional depende da capacidade de organização das formas políticas de governo e dos agenciamentos institucionais públicos e privados. O destaque para a relação entre capital social (associativo e simbólico), para as vocações e trajetórias do tecido produtivo e para os processos de cooperação e solidariedade impoem a construção de novas agências e agenciamentos apoiados em sistemas de informação e aprendizagem. As novas políticas industriais e de ciência e tecnologia passam a levar em conta os graus de autonomia dos arranjos e redes sócio-produtivas que nascem a partir da possibilidade cooperativa do trabalho vivo ou das bacias locais. As lógicas sócio-culturais e ambientais passam a ser valorizadas para a construção de políticas públicas e na definição da agenda das prioridades dos atores a partir da luta e da negociação das prioridades.

Os elementos estruturais da longa duração histórica presentes no espaço são revalorizados nas leituras que pretendem utilizar as potencialidades locais como ferramenta para o desenvolvimento sócio-sustentável. O campo das questões postas pela ótica que valoriza o desenvolvimento local transborda amplamente a valorização restrita aos bens e serviços da economia mercantil. Na busca da construção dos novos agenciamentos sócio-produtivos e na tentativa de modificar as relações de força com base na cooperação de diferentes sujeitos coletivos, o desenvolvimento local integra os serviços públicos sociais e o conjunto das atividades na fronteira do mercado recobertos pelo mundo associativo tais como as recobertas pelas noções de: economia popular, economia social e economia solidária.

Não basta estabelecer arranjos que valorizem e integrem as redes produtivas e as redes sociais, que já estão amplamente articuladas na diversidade do processo de reprodução social. Os agenciamentos para o desenvolvimento local devem estar combinados com as esferas públicas ampliadas para que os efeitos do desenvolvimento possam se generalizar enquanto formas integrais que melhorem a qualidade de vida e a mobilidade econômico social. O novo ambiente institucional deve dar aos atores uma posição central que melhor combine interesses individuais e interesses coletivos para se constituir num projeto efetivo. O processo de institucionalização do desenvolvimento local se materializa em experimentos como os da construção de consórcios inter-municipais, da formação de governos regionais e metropolitanos, assim como da constituição de agências de estímulo para a coordenação e construção de redes e políticas ativas.

Questões organizacionais e de escala

Nos momentos de crise e na busca de flexibilidade produtiva e redução de custos existe uma valorização da pequena escala, das micro, pequenas e médias empresas integradas em processos e por tecnologias de rede para fazer frente aos desafios da escala. No momento em que se exigem processos de geração de trabalho e renda, por força da crise do regime salarial/fordista, temos conflitos dos quais emergem novas formas de organização mais autônoma do trabalho que revalorizam as formas de cooperação, associação, cogestão e autogestão. Mas a escala dessas respostas se torna decisiva conforme já assinalamos nas observações sobre as vantagens relativas das cidades para a alavancagem das ações.

A noção mais ampla do local como um território de relações históricas, culturais e produtivas, sempre ancorado sobre certas bases naturais (vales, bacias, hidrográficas, etc), sempre ancorado em estruturas da via material cotidiana como as ligadas à estrutura urbana ou ao modo de ocupação do agrário, aponta para noções mais amplas no desenho das políticas públicas, das redes e das instituições em escalas regionais. Cabe buscar entre as noções geográficas de lugar e região e as noções político-administrativas de Estado e município um recorte que traduza melhor o uso do enfoque do desenvolvimento local.

Para um projeto nacional o recorte para o desenvolvimento local deve seguir as referências objetivas e subjetivas geradas pela dimensão urbano metropolitana ou pelas sub-regiões que unificam recortes inter-municipais. Poderíamos pensar o uso e a tradução da noção francesa de "país" enquanto regiões de desenvolvimento local, para pensarmos recortes adequados ao Brasil tais como alguns já consagrados: Grande ABC-SP, Vale do Itajaí-SC, Vale dos Sinos-RGS, Baixada Fluminense-RJ, Triângulo Mineiro-MG, etc. Esses e muitos outros recortes, quase sempre resultado da combinação de um referente fixo da geografia física, acabam por permitir o reconhecimento de realidades e de longa duração e dimensões de identidade que constituem formas vivas das relações sociais espacializadas e das estruturas produtivas e potencialidades presentes nos territórios. Como manejar essas identidades e resgatar as potencialidades sociais, culturais e econômicas presentes nesses territórios para alavancar o desenvolvimento local enquanto um projeto coletivo?

Para pensar a dimensão local ampliada enquanto sub-região destacamos conforme a Resolução Adotada pela Associação Francesa para o desenvolvimento do "País" (junho de 1982):

1. A região de desenvolvimento local (o país) é um território pertinente para redescobrir uma identidade coletiva e solidariedades.

2. O desenvolvimento auto-centrado, ascendente e global pode ser a via que permite ao maior número de pessoas "viver e trabalhar no país".

3. O desenvolvimento local pode constituir um modelo alternativo.

4. As estruturas do desenvolvimento local apresentam uma grande heterogeneidade refletindo a diversidade das situações e das abordagens.

5. A região assim concebida é um espaço de democracia e tem enquanto tal direito a ser reconhecida como espaço de desenvolvimento.

A perspectiva da construção de uma escala mais ampla para as estratégias de desenvolvimento local permite o enfrentamento em conjunto dos desafios para a superação de quadros de desigualdade. Essa perspectiva é indispensável para evitar uma visão reducionista do tema do desenvolvimento local na perspectiva de uma mobilização de recursos de "capital social" para a superação da fome e da pobreza.

A lógica das redes

A busca de uma trama complexa de interações objetivas e subjetivas, tangíveis e intangíveis, públicas e privadas na forma de agenciamentos e redes sócio-produtivas na dimensão do território construído determinará as condições para o reconhecimento do projeto de desenvolvimento local. A capacidade empreendedora e o potencial de articulação da bacia de conhecimentos, através da organização do potencial cooperativo, passa pelo peso determinante das relações extra-econômicas e das escolhas politicamente elaboradas pelos sujeitos sociais.

A combinação de fatores e potencialidades para a construção de estratégias de desenvolvimento ancoradas no território depende do elo entre redes sociais informais com redes de finalidade produtiva. Mas essas redes são atravessadas pelas formas de desigualdade estrutural e pelos condicionamentos e restrições dadas pelas transformações e metamorfoses que atingem os sistemas produtivos e reprodutivos.

O projeto neoliberal de resposta subordinada aos fluxos e condicionamentos das redes transnacionais aparece como um obstáculo para um novo pacto sócio-territorial que tenha por base a mobilização das potencialidades do trabalho e da sociedade.

Os processos de desenvolvimento, que partem das condições de inovação, da capacidade de adaptação e da capacidade de regulação, estão sobretederminado pela possibilidade de construção de blocos sociais e técnicos capazes de dirigir o projeto coletivo de transformação da situação bloqueadora das mudanças. A ação dinâmica da rede de atores permite a realização dessas condições desde que os deslocamentos de poder possam se realizar através da construção de esferas públicas de participação e controle, complementadas pelas agendas estabelecidas a partir do conflito e negociação social.

No caso brasileiro os novos padrões de gestão social local no plano municipal têm servido de referência para a constituição de espaços públicos e agências que apóiam a formação de redes. Por outro lado, existem propostas nascidas de fóruns e redes de atores sociais para o incremento de ações de colaboração solidária, que são percebidas como propulsoras de iniciativas contra-hegemônicas.

Conclusão

O espaço local enquanto estrutura real do ordenamento e estruturação do poder sobre a vida cotidiana nos territórios construídos, o espaço local como campo de práticas sociais produtoras de identidades coletivas, torna-se objeto de disputa real para os sujeitos políticos que disputam o tema do desenvolvimento local. Numa era em que a extração do excedente redesenha as relações sócio-espaciais e a hierarquia de poder entre os diferentes territórios, o espaço local torna-se campo de mobilização e resistência para movimentos sociais urbanos, para as disputas entre capital e trabalho, para os movimentos de sem-terra, mulheres, indígenas, negros, etc.

As implicações políticas do processo do desenvolvimento aparecem traduzidas na pluralidade de atores que se mobilizam nas redes sociais locais com suas ligações nacionais e globais. A percepção de "locus" de resistência e de espaços de "inflexibilidade" para a produção de "irracionalidades", em face aos processos de domínio das redes globais verticalizadas foi apontado por Milton Santos como um fator de planejamento estratégico alternativo. O pacto federativo dos lugares aparece como uma forma política para a resistência contra as formas atuais de globalização. O desenvolvimento local aparece como uma problemática atravessada pela linha divisória entre subordinação e resistência. As várias ecologias urbanas, compreendidas enquanto complexidades sócio-espaciais, permitem pensarmos a construção de um eixo de análise para definir outras estratégias de construção de regiões organizadas a partir dos interesses dos de baixo nas diferentes sociedades periféricas e semi-periféricas.

A formalização e institucionalização de projetos de desenvolvimento local é apenas um dos aspectos dessa revalorização da reflexão sobre o poder produtivo e reprodutivo, que resulta do manejo do território como objeto de construção de novas estratégias de desenvolvimento.

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Pedro Cláudio Cunca é Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR-UFRJ.